Conteúdo Principal

Primeira Fase

Até a dissolução

Instalação do Tribunal de Justiça da Paraíba

Criado a 30 de setembro de 1891, pelo Decreto nº. 69, o Superior Tribunal de Justiça, pelo mesmo decreto foi designado o dia 15 de outubro daquele ano para sua instalação. A 9 de outubro, o Governador Venâncio Neiva nomeava os Desembargadores e demais integrantes da Magistratura paraibana. Para o Superior Tribunal de Justiça foram nomeados os bacharéis Manoel da Fonseca Xavier de Andrade, Juiz de Direito de Santa Rita; Augusto Carlos de Amorim Garcia, que fora Juiz de Direito de Bananeiras, e ocupava, interinamente, o cargo de Diretor da Instrução Pública; Francisco de Gouveia Cunha Barreto, Juiz de Direito do Pilar, no exercício da comissão de Chefe de Polícia; Amaro Gomes Carneiro Beltrão, Juiz de Direito de Guarabira; e Vicente Saraiva de Carvalho Neiva, Juiz de Direito de Vitória, Espírito Santo.

No dia seguinte, o Governador completava os quadros burocráticos do Tribunal, com as nomeações do professor Francisco Xavier Júnior para a Secretaria, de Aureliano Filgueiras para os cargos de amanuense e arquivista, e de José Maria de Carvalho Serrano como porteiro e contínuo.

Repercussão na Impressa

Em sua edição de 15 de outubro de 1891, o jornal governista Estado do Parahyba, órgão do Partido Republicano, justificava o contentamento do povo paraibano pela criação do Tribunal, com oportunas observações sobre o significado do evento. A transcrição desse documento se impõe pelo valor subsidiário de que se reveste para a história do Judiciário paraibano: “Um dos mais importantes benefícios trazidos pelo atual sistema de governo é a criação em cada Estado de um Tribunal de Justiça de Segunda Instância. É de simples intuição a vantagem que, para as nossas relações públicas e privadas, decorre dessa instituição judiciária, que vem cercar de mais prontas garantias os interesses dos membros da sociedade.

As importantes atribuições conferidas pela nossa organização judiciária a esse superior tribunal, em virtude da qual compete-lhe, além de outras que lhe são privativas, julgar em segunda e última instância as sentenças e despachos proferidos pelos juízes de Direito, constituem a mais plena garantia aos direitos dos cidadãos.

De sorte que os erros praticados pelos juízes singulares, que não podem ter o dom da infalibilidade em seus atos, poderão ser corrigidos pelo juízo coletivo, para o qual tem as partes litigantes recursos para melhormente garantir os seus interesses. Desta sorte, a causa da Justiça, que é o princípio regulador do equilíbrio social, uma verdadeira conquista da civilização alcançada no campo da luta pela vida, terá mais sólidas garantias.

Era uma necessidade já bem sentida desde o regime passado o estabelecimento de Tribunais de Justiça de Segunda Instância nas circunscrições territoriais então chamadas províncias; porquanto os que nesse tempo existiam, compreendendo em suas jurisdições uma tão vasta região, eram insuficientes para satisfazer os interesses dependentes dos pleitos judiciais.

A ação da Justiça, que dependia desses tribunais, era muito demorada não só pela superabundância de feitos, como ainda pela grande distância que separava as partes litigantes de diferentes localidades da sede dos mesmos Tribunais. O que, não raramente, acarretava graves detrimentos aos interesses particulares e sociais. Esses inconvenientes, porém, estão atualmente anulados pela existência nos Estados federados da instituição de Justiça de Segunda Instância.

Hoje, em face do que dispõe o artigo 264 da Organização Judiciária do Estado, terá lugar a solenidade de instalação do nosso Superior Tribunal de Justiça.

Para membros desse Tribunal, foram nomeados magistrados respeitáveis por sua ilustração jurídica, a maioria dos quais tem uma longa prática de julgar, de sorte que, reunindo eles os atributos indispensáveis ao juiz, serão uma garantia para os direitos dos que perante si tiverem de litigar.

Daqui por diante, não havendo mais necessidade de recorrer-se ao Tribunal da Relação do distrito que tinha a sede na capital de Pernambuco, serão os nossos feitos julgados com mais presteza, e despesas inferiores terão de ser realizadas pelas partes nos processos que intentarem para fazerem valer o seu direito.

Grande deve ser, portanto, a satisfação do povo paraibano com a instalação desse Superior Tribunal, que vai exercer tão importantes funções em nossas relações sociais e poderosa influência em nossa vida autônoma”.

Instalação do Tribunal

A instalação do Superior Tribunal de Justiça foi um acontecimento que, pelo seu significado social, administrativo e político, revestiu-se de um brilhantismo incomum, na jubilosa manifestação do povo paraibano, pela criação da sua Casa de Justiça, há tantos anos reclamada para melhor assistência aos seus interesses na área do Judiciário. A solenidade teve lugar no Salão das Sessões do Congresso Estadual. Como informava o Estado do Parahyba, em sua edição de 16 de outubro de 1891:

“Foi uma brilhante solenidade, durante a qual tocou a banda de música do Corpo Policial, e a mais viva satisfação manifestava-se nas fisionomias dos assistentes, que naturalmente viam naquele Tribunal que se instalava uma verdadeira conquista do nosso progresso social”.

De como decorreu a solenidade, vale a pena ler a ata da sessão de instalação que, como primeiro documento oficial do Tribunal, é uma espécie de certidão do seu nascimento, ora transcrita com a ortografia atualizada pelo copista, como os demais documentos aqui reproduzidos:

“Ata de Instalação do Superior Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba do Norte. Aos quinze dias do mês de outubro de mil oitocentos e noventa e um, terceiro da República dos Estados Unidos do Brasil, às 11 horas da manhã, na Capital do Estado da Paraíba do Norte, no Salão das Sessões do Congresso do mesmo, designado para funcionar provisoriamente o Superior Tribunal de Justiça, achando-se presente o Governador do Estado, Doutor Venâncio Neiva, e quatro dos Desembargadores, nomeados por ato de nove deste mês, bacharéis Manoel da Fonseca Xavier de Andrade, Augusto Carlos de Amorim Garcia, Francisco de Gouveia Cunha Barreto e Amaro Gomes Carneiro Beltrão, pelo Governador foi conferida, de conformidade com o que preceitua o artigo duzentos e cinqüenta e nove do Decreto número sessenta e nove de trinta de setembro último, aos mencionados Desembargadores a posse dos respectivos cargos, Reunidos os mesmos sob a presidência do mais velho, bacharel Manoel da Fonseca Xavier de Andrade, este deu posse ao Secretário do Tribunal cidadão Francisco Xavier Júnior, e em seguida declarou instalado o Superior Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba do Norte.

Depois procedeu-se nos termos do artigo citado, à eleição do Presidente, por escrutínio secreto; e, obtendo três votos o Desembargador Manoel da Fonseca Xavier de Andrade, e um, o Desembargador Augusto Carlos de Amorim Garcia, foi aquele eleito, contraindo em seguida perante o Tribunal o compromisso legal, dando posse aos demais empregados da Secretaria do Tribunal e recebendo compromisso respectivo, sendo estes, o amanuense e arquivista Aureliano Filgueiras, e porteiro e contínuo José Maria de Carvalho Serrano.

Na mesma ocasião, apresentando o título de nomeação de Procurador Geral da Justiça o Desembargador Amaro Gomes Carneiro Beltrão, pelo Presidente do Tribunal foi conferida ao mesmo a posse desse cargo, depois de haver contraído perante o dito Presidente o compromisso legal. Pelo Tribunal foi resolvido que, em vista da não existência de Regimento, ficava aceito provisoriamente o da Relação do Recife, ficando designado o Desembargador Francisco de Gouveia Cunha Barreto para organizar um projeto de Regimento, bem como foram marcados os dias de terça e sexta-feiras, de cada semana, para as sessões do Tribunal, a começar do dia vinte do corrente mês, expedindo-se edital para conhecimento dessa deliberação.

Depois da instalação do Tribunal, o Presidente provisório, Desembargador Manoel da Fonseca Xavier de Andrade, proferiu uma alocução sobre esta instituição, produzindo uma outra de agradecimento depois de sua eleição para Presidente efetivo. Terminado por essa forma o ato solene da instalação e concluídas as deliberações do Tribunal, lavrou-se a presente ata, que vai assinada pelo Doutor Governador do Estado, membros do mesmo Tribunal, empregados da respectiva Secretaria e diversos cidadãos presentes. Francisco Xavier Júnior, Secretário do Superior Tribunal de Justiça, a escrevi e subscrevo. Venâncio Neiva – Manoel da Fonseca Xavier de Andrade, Augusto Carlos de Amorim Garcia, Francisco de Gouveia Cunha Barreto, Amaro Gomes Carneiro Beltrão, Francisco Xavier Júnior, Aureliano Filgueiras, José Maria de Carvalho Serrano. […]

Desembargador Vicente Neiva

O Tribunal, na data da sua instalação, não teve empossados todos os seus membros. O Desembargador Vicente Neiva, que se encontrava no exercício do cargo de Juiz de Direito da Capital do Espírito Santo, só seria investido em suas funções quinze dias depois, no dia 30 de outubro de 1891.

Esse órgão venancista, em sua edição do dia 29, dá destaque à notícia do seu desembarque, no dia anterior, quando foi recebido pelo Governador do Estado, membros da magistratura e figuras influentes da política, do comércio e da sociedade.

O mesmo jornal, dois dias depois, noticia a sua posse como Desembargador e faz referência às homenagens que recebeu, tendo sido cumprimentado, às 6 horas da tarde do dia da sua posse, pela “banda de música do Corpo Policial, tocando diversas peças em frente à casa de sua residência”, conforme informação do Estado do Parahyba.

Primeira Sessão Ordinária

A primeira sessão ordinária do Superior Tribunal de Justiça foi realizada a 20 de outubro de 1891, sendo iniciados os seus trabalhos às dez horas. O primeiro feito submetido a julgamento foram os autos de recurso criminal de habeas corpus, que tinha como recorrente o Juiz de Direito da Segunda Vara da Capital e como recorrido Godofredo Luiz Pereira Lima.

Foram os autos distribuídos ao Desembargador Augusto Carlos de Amorim Garcia, que concedeu vistas ao Procurador Geral da Justiça, Desembargador Amaro Gomes Carneiro Beltrão. Antes de encerrar a sessão, o Presidente comunicou aos presentes que oficiara ao Presidente da Relação de Pernambuco, solicitando a remessa das causas ali existentes, cujo conhecimento devia pertencer ao Tribunal.

O Golpe de Floriano

Em fins de dezembro de 1891, a Paraíba começava a sofrer os efeitos políticos do golpe de Estado, de 23 de novembro daquele ano, que determinou o afastamento do Marechal Deodoro da Fonseca. Como nos outros Estados, processou-se também na Paraíba o desencadear de um movimento com a finalidade de oferecer características populares à deposição do Governador Venâncio Neiva.

A 27 de dezembro, instala-se no governo uma junta chefiada pelo Coronel Cláudio Savaget, Comandante do 27º Batalhão, sediado na Capital. Venâncio Neiva resiste às intenções do movimento a que o Estado do Parahyba chamou de deposição maniquée. Não reconhece legitimidade na Junta e se declara no exercício do cargo de Governador. No dia 29, Floriano Peixoto manda reintegrá-lo no poder, num gesto a que Celso Mariz considerou uma “ordem calculada e insidiosa”.

Esses acontecimentos iriam atingir fundamentalmente a normalidade dos trabalhos do Tribunal, pela condição do seu Presidente, Desembargador Manoel da Fonseca Xavier de Andrade, como ocupante do cargo de Vice-Governador do Estado.

Na sessão de 29 de dezembro de 1891, o Tribunal, por sugestão do Desembargador Amaro Gomes Carneiro Beltrão, resolve oficiar ao Governador Venâncio Neiva, felicitando-o pelo restabelecimento da legalidade e pela sua conservação no Governo do Estado. No dia seguinte, o Desembargador Fonseca assume o Governo do Estado, em virtude da licença requerida ao Tribunal pelo Governador Venâncio Neiva.

Desembargador Fonseca é Deposto

A licença, de três meses, foi concedida na sessão do dia 31, sem vencimentos, tal como requerera o Governador, que pretendia viajar à Capital Federal, com a finalidade de tratar de interesses do Estado. Naquele mesmo dia, em nova investida da Junta Governativa, é deposto o Desembargador Fonseca do Governo do Estado.

Profundamente chocado com os acontecimentos que resultaram em sua deposição, não voltou mais o velho e respeitável magistrado à Presidência do Tribunal, cabendo ao Desembargador Augusto Carlos de Amorim Garcia substituí-lo durante os poucos dias que restaria àquela nossa primeira Corte de Justiça.

Com a posse da Junta Governativa, começou a derrubada imposta pela nova situação política do Estado. Logo nos primeiros dias, foram baixados vários decretos, dentre eles o da dissolução do Congresso Estadual. A 2 de fevereiro de 1892, pelo Decreto nº. 8, foram anulados os atos referentes à organização judiciária, com a dissolução do Superior Tribunal de Justiça.

Tribunal Reage à Dissolução

Na sessão realizada a 5 de fevereiro do mesmo ano, o Presidente interino, Desembargador Amorim Garcia, dá conhecimento aos demais integrantes do Tribunal, presentes à reunião, de um exemplar do jornal O Parahybano, edição de 4 de fevereiro de 1892, com o citado Decreto, enviado, sem ofício, pelo Secretário do Governo. Ao gesto descortês e inamistoso, resolveu o Tribunal lavrar em ata o seguinte protesto:

“O Supremo Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba aos seus jurisdicionados e ao país. O ato inqualificável pelo qual a Junta Governativa deste Estado acaba de dissolver o Superior Tribunal de Justiça e toda a magistratura estadual, só é digno dos tempos nefastos da anarquia que infelizmente nos assoberba. Dispensamo-nos de combater os paradoxos jurídicos que se contêm nos diversos considerandos que fundamentam o Decreto número oito, datado de dois do corrente mês e que nos foi apresentado hoje, em sessão ordinária, porque, como magistrados, habituados a julgar as causas com calma e serenidade peculiares à nossa classe, não poderíamos, sem acrimônia, desempenhar uma tarefa tão penosa, qual a de tomar ao sério o que não se recomenda senão como um pretexto, como uma arma de guerra, para se ferir uma classe inteira que, se não tem títulos e virtudes marciais, tem orgulho em sua pobreza honrada de ser a depositária de grandes virtudes cívicas, as quais constituem incontestavelmente o melhor elemento da ordem na sociedade. A nós, pois, membros do Superior Tribunal de Justiça, e aos nossos dignos colegas, membros da magistratura estadual, neste momento angustioso, em que de todas as partes do país e do próprio seio do parlamento nacional, irrompem gritos de desespero pelo futuro da pátria, a nós, na posição pacífica, mas superior, que nos compete, incumbe somente lavrar, como lavramos, o nosso protesto contra o ato de violência descomunal com que nos feriu o cidadão Coronel Cláudio do Amaral Savaget, comandante da guarnição militar e presidente da junta governativa deste Estado. Temos bastante dignidade para não nos avassalarmos à prepotência, a poder algum fora da lei, que foi, é e será sempre a nossa égide, a nossa bandeira gloriosa, mas abandonamos temporariamente os nossos postos, porque, sendo certo o emprego da força militar contra nós, queremos poupar ao ilustre coronel o trabalho de nos mandar, no recinto calmo deste Tribunal, despir a toga de magistrado e nos arrancar das cadeiras de juízes por praças do seu batalhão”.

A ata dessa sessão foi assinada pelos Desembargadores Augusto Carlos de Amorim Garcia, Presidente interino; Francisco de Gouveia Cunha Barreto e Amaro Gomes Carneiro Beltrão; pelo Juiz de Direito Maximiano José de Inojosa Varejão; e pelo Secretário Francisco Xavier Júnior. O Desembargador Amaro Beltrão aprovou, com restrições, a nota de protesto, justificando o seu voto com as seguintes palavras: “Tendo eu protestado contra o ato de dissolução do Congresso e suspensão da Constituição do Estado, implicitamente, protestei de todos os atos conseqüência daquela violência. Nada hoje temos de estável e é um fruto por demais nocivo o ataque que acaba de ser feito ao Poder Judiciário deste Estado, único poder que nas repúblicas deve ser permanente, para nele encontrar o povo defesa dos seus direitos nos tempos difíceis. No entanto não subscrevo o protesto em todas as suas partes, por nela achar idéias que não são minhas, qualificativos que podiam ser dispensados e se individualizar o nome de um dos membros da Junta Governativa”.

Deliberou, ainda, o Tribunal que permanecessem em poder do Secretário, para o seu conveniente destino, todos os autos apresentados para julgamento, papéis e livros existentes na Secretaria. O Tribunal, apesar dos acontecimentos que culminaram na deposição do Vice-governador Manoel da Fonseca Xavier de Andrade, continuou funcionando normalmente, até o ato de sua dissolução, realizando, desde a sua instalação, trinta e duas sessões.

Não abdicou, assim, de suas prerrogativas constitucionais, senão ante o abuso de poder, manifestado através do ato arbitrário que o dissolveu.

[Dados extraídos da quinta edição da História do Tribunal de Justiça da Paraíba, de Deusdedit Leitão e Evandro da Nóbrega, Edições do TJ-PB, Gráfica JB, João Pessoa, 2005]

Leia também a Segunda Fase: "Reinstalado, Após a dissolução"