Adoção Tardia: quando o amor não tem idade
Quando se fala em adoção é comum que muitas pessoas imaginem bebês e crianças pequenas encontrando novos lares e famílias. Mas, nas casas de acolhimento e abrigos espalhados pelo país, há milhares de crianças e adolescentes que também sonham com uma chance de pertencer a uma família, de ter um colo, um lar e um sobrenome, mas não são adotadas por causa da idade. A chamada adoção tardia, embora repleta de desafios, é uma escolha, sobretudo, movida pelo amor e pela coragem de quebrar preconceitos, paradigmas e construir histórias A adoção tardia se refere à adoção de crianças e adolescentes com mais de três anos de idade.
Roberta Burity, que hoje tem 20 anos, mora em João Pessoa e cursa o 7º período do Curso de Direito, é um exemplo de que a adoção tardia é uma das portas de entrada para a construção de uma família baseada no amor, cumplicidade, educação e respeito. Roberta foi adotada quando tinha entre oito e nove anos de idade. Na época, ela vivia em uma casa de acolhimento e foi convidada para participar de uma ação social em uma grande casa de festa, promovida pela 1ª Vara da Infância e Juventude de João Pessoa, em parceria com Ministério Público, e realizada para homenagear a ‘Semana Estadual da Adoção Tardia’.
“Minha mãe estava servindo nessa festa e tive a oportunidade de conhecê-la. Desde aquele primeiro encontro, eu já sentia que Deus havia preparado aquele momento. Meus olhos brilhavam e passei a festa inteira ao lado dela”, lembra Roberta, com emoção. Ela continua: “Fiz todos os tipos de perguntas que você possa imaginar. Sempre fui muito comunicativa e curiosa. Perguntei se ela já tinha filhos, se tinha cachorros... e por aí vai. No final, a convidei para conhecer a casa de acolhimento onde eu vivia. E assim começou a nossa história”, relatou.
Roberta disse que tinha receio do que estava por vir. “Tinha medo de não ser escolhida, de não me adaptar. Mas, aquele encontro mudou tudo. A partir dali, eu soube que o amor não depende do sangue, mas de conexão, cuidado e presença”, comentou a estudante, que estuda para concurso na área jurídica.
“Passei por muitas coisas na minha infância. Presenciei e vivi situações difíceis, que me tornaram mais forte. Nunca baixei a cabeça para as adversidades da vida. Já passei por muitas necessidades e precisei ter, desde muito nova, a postura de uma mãe, pois cuidava dos meus irmãos biológicos”, relembra Roberta Burity.
Ela disse que sente muito orgulho de sua família e tem em sua mãe a maior referência, assim como seu pai e seus irmãos. “A adoção tardia não apaga o que a gente viveu antes, mas permite começar um novo capítulo cheio de amor, aprendizado e recomeço. Se eu pudesse dizer algo para quem pensa em adotar uma criança mais velha, eu diria: nós também sonhamos com uma família, e às vezes tudo o que falta é alguém disposto a nos enxergar de verdade”, destacou
Falta de conscientização e preconceito - A modalidade de adoção tardia visa garantir o direito à convivência familiar e à formação de laços afetivos, que são cruciais para o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes que passaram por experiências de abandono e institucionalização. Para os profissionais que trabalham diretamente na área, o preconceito e a desinformação sobre a adoção tardia são os principais obstáculos que precisam ser superados para que mais crianças e adolescentes possam ser adotados e adotadas, inclusive por mães ou pais solo.
A adoção tardia é uma oportunidade de inclusão social para crianças e adolescentes que passaram por experiências de abandono e institucionalização, oferecendo-lhes um caminho de novas oportunidades, dignidade e pertencimento.
Segundo o juiz titular da 1ª Vara da Infância e Juventude da Capital, Adhailton Lacet Correia Porto, a adoção tardia enfrenta desafios como a dificuldade de adaptação das crianças e adolescentes, a resistência de algumas famílias e a falta de conscientização sobre a sua importância. “A adoção tardia é fundamental para garantir o direito à convivência familiar de crianças e adolescentes que não conseguem ser adotados em idade mais precoce. Ela pode trazer benefícios tanto para as crianças e adolescentes adotados quanto para as famílias adotantes, como a possibilidade de construir uma vida mais plena e feliz”, comentou o magistrado.
Desconstruindo preconceitos - A psicóloga do Tribunal de Justiça da Paraíba e chefe da Seção de Adoção do Fórum da Infância e Juventude de João Pessoa, Miúcha Lins Cabral, disse que o Poder Judiciário estadual sempre busca sensibilizar a população para a adoção tardia, por meio de campanhas, seminários, palestras e encontros envolvendo a comunidade e outras instituições. São eventos relevantes para as crianças e adolescentes que esperam por uma família e para a sociedade como um todo.
Uma das ações consolidadas do Tribunal de Justiça da Paraíba e voltadas a essa modalidade de adoção é a ‘Semana Estadual da Adoção’ (Lei nº 13.222/2024), que acontece sempre no mês de maio. O período que envolve a Semana objetiva incentivar a adoção de crianças e adolescentes que estão acima da faixa etária considerada pelos candidatos à adoção.
Miúcha Lins disse que os eventos incluem palestras em universidades, participação em seminários, entrevistas nos meios de comunicação, além de um concurso de redação e uma festa temática para as crianças e adolescentes em situação de acolhimento institucional. “Procuramos desconstruir preconceitos e estigmas em relação à adoção, sobretudo, quanto às adoções necessárias, que abarcam os grupos de irmãos, crianças maiores, adolescentes e crianças e adolescentes com deficiências e/ou com outras situações específicas de saúde, que destoam do perfil almejado pela maioria dos pretendentes”, detalhou.
Números - Dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) revelam que este ano ocorreram 1.347 adoções. Apenas 161 adoções a partir dos 10 anos, isso representa 12% do total. Atualmente, 16 acolhidos, entre crianças e adolescentes, estão morando com famílias acolhedoras, em João Pessoa. O número de crianças e adolescentes em espera por adoção tardia no Brasil é substancial, com dados recentes indicando que mais de 5.000 crianças e adolescentes estão aptos à adoção, a maioria com mais de oito anos de idade.
Por Fernando Patriota