TJPB torna pública sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Caso da Silva e Outros x Brasil
O Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, no âmbito de suas atribuições constitucionais, legais e regimentais, tomando ciência da deliberação prolatada pela Corte Interamericana de Direitos Humanos no caso da Silva e outros x Brasil, torna público a sentença em sua integralidade, em cumprimento ao comando exarado no parágrafo 97 daquela deliberação, que impôs ao Poder Judiciário Paraibano a publicação em página web por um período de um ano.
CORTE INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS
CASO DA SILVA E OUTROS VS. BRASIL
SENTENÇA DE 27 DE NOVEMBRO DE 2024
(Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas)
No caso Da Silva e outros Vs. Brasil, a Corte Interamericana de Direitos Humanos (doravante “a Corte Interamericana”, “a Corte” ou “este Tribunal”), composta pela seguinte formação*: Nancy Hernández López, Presidenta; Humberto Antonio Sierra Porto, Juiz; Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, Juiz; Ricardo C. Pérez Manrique, Juiz; Verónica Gómez, Juíza, e
Patricia Pérez Goldberg, Juíza; presentes, também, Pablo Saavedra Alessandri, Secretário, e Gabriela Pacheco Arias, Secretária Adjunta, de acordo com os artigos 62.3 e 63.1 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante “a Convenção Americana” ou “a Convenção”) e com os artigos 31, 32, 42, 62, 65 e 67 do Regulamento da Corte (doravante “o Regulamento” ou “o Regulamento da Corte”), profere a presente Sentença, que está estruturada na seguinte ordem:
* O Juiz Vice-Presidente da Corte, Juiz Rodrigo Mudrovitsch, de nacionalidade brasileira, não participou da tramitação do presente caso nem da deliberação e assinatura desta Sentença, em conformidade com o disposto nos artigos 19.1 e 19.2 do Regulamento da Corte.
I INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA 3
II PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE 4
III COMPETÊNCIA 5
IV RECONHECIMENTO DE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL 5
A. Reconhecimento parcial de responsabilidade por parte do Estado e observações da Comissão e dos representantes 5
B. Considerações da Corte 6
B.1. Quanto aos fatos 6
B.2. Quanto às pretensões de direito 7
B.3. Quanto às eventuais medidas de reparação 7
B.4. Avaliação do alcance do reconhecimento de responsabilidade 7
V EXCEÇÃO PRELIMINAR 8
A. Alegada incompetência ratione temporis no que diz respeito aos fatos anteriores à data de reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal 8
A.1. Alegações das partes e da Comissão 8
A.2. Considerações da Corte 9
VI PROVA 9
A. Admissibilidade da prova documental 9
B. Admissibilidade da prova testemunhal e pericial 10
VII FATOS 10
A. Contexto de violência contra trabalhadores rurais e seus defensores 10
B. Antecedentes 12
C. Fatos alegados que se encontram dentro da competência temporal da Corte 16
VIII MÉRITO 17
VIII.1 DIREITOS ÀS GARANTIAS JUDICIAIS, À VERDADE E À PROTEÇÃO JUDICIAL EM RELAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR OS DIREITOS 17
A. Alegações das partes e da Comissão 17
B. Considerações da Corte 18
B.1. A devida diligência no processo penal 18
B.2. O direito à verdade 22
X REPARAÇÕES 23
A. Parte lesada 24
B. Obrigação de investigar 24
C. Medidas de reabilitação 25
D. Medidas de satisfação 27
D.1. Publicação da Sentença 27
D.2. Ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional e de desculpas públicas 27
E. Garantias de não repetição 28
E.1. Realização de um diagnóstico sobre violência contra pessoas trabalhadoras rurais no estado da Paraíba 31
F. Outras medidas de reparação solicitadas 31
G. Indenizações compensatórias 32
H. Custas e gastos 34
I. Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados 35
XI PONTOS RESOLUTIVOS 35
I INTRODUÇÃO DA CAUSA E OBJETO DA CONTROVÉRSIA
1. O caso submetido à Corte. – Em 26 de novembro de 2021, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (doravante “a Comissão Interamericana” ou “a Comissão”) submeteu à jurisdição da Corte o caso “Manoel Luiz da Silva e familiares” contra a República Federativa do Brasil (doravante “o Estado”, “o Estado do Brasil” ou “Brasil”). A Comissão indicou que o caso está relacionado à alegada responsabilidade internacional do Estado pela suposta falta de diligência na investigação do homicídio do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, ocorrido em 19 de maio de 1997, no Estado da Paraíba, e à alegada situação de impunidade desses fatos até hoje. Além disso, a Comissão considerou que a duração da investigação e do processo penal por mais de 22 anos constitui uma violação da garantia do prazo razoável e uma negação de justiça. Por fim, segundo a Comissão, o caso se refere à alegada violação do direito à integridade psíquica e moral dos familiares do senhor da Silva.
2. Tramitação perante a Comissão. – O trâmite perante a Comissão foi o seguinte:
a) Petição. – Em 27 de agosto de 2003, Justiça Global, Comissão Pastoral da Terra da Paraíba (doravante “CPT”) e Dignitatis – Assessoria Técnica Popular apresentaram a petição inicial perante a Comissão.
b) Relatório de Admissibilidade. – Em 21 de outubro de 2006, a Comissão aprovou o Relatório de Admissibilidade nº 83/06, que foi notificado às partes em 15 de novembro de 2006.
c) Relatório de Mérito. – Em 28 de setembro de 2019, a Comissão aprovou o Relatório de Mérito nº 143/19, de conformidade com o artigo 50 da Convenção (doravante também “o Relatório de Mérito” ou “o Relatório nº 143/19”), no qual chegou a uma série de conclusões e formulou diversas recomendações ao Estado.
d) Notificação ao Estado. – O Relatório de Mérito foi notificado ao Estado por meio de comunicação de 26 de fevereiro de 2020, com um prazo de dois meses para que informasse sobre o cumprimento das recomendações formuladas. A Comissão concedeu seis prorrogações de prazo ao Estado. Em 11 de novembro de 2021, o Estado solicitou uma sétima prorrogação. Ao avaliar essa solicitação, a Comissão observou que, “um ano e nove meses após a notificação do relatório, embora o Estado manifeste a vontade de cumprir, não foram observados avanços substantivos no cumprimento das recomendações do Relatório de Mérito.”
3. Submissão à Corte. – Em 26 de novembro de 2021, a Comissão submeteu ao Tribunal as ações e omissões estatais que ocorreram ou continuaram ocorrendo após 10 de dezembro de 1998, 1 “levando em conta a necessidade de obtenção de justiça e reparação para as vítimas, bem como a vontade expressada pela parte peticionária”. Este Tribunal observa com preocupação que, entre a apresentação da petição inicial perante
1 A Comissão designou como delegadas/os perante a Corte ao então Comissário Joel Hernández García e a Secretária Executiva Tania Reneaum Panszi. Ademais, nomeou a Marisol Blanchard Vera, então Secretária Executiva Adjunta, Jorge Meza Flores, atual Secretário Executivo Adjunto, e Analía Banfi Vique, especialista da Secretaria Executiva.
a Comissão e a submissão do caso ao Tribunal, transcorreram mais de 18 anos.
4. Solicitações da Comissão.– Com base no exposto, a Comissão solicitou à Corte que declare a responsabilidade internacional do Estado do Brasil pela violação dos direitos à integridade pessoal, às garantias judiciais e à proteção judicial, contidos nos artigos 5, 8 e 25 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1, no que diz respeito a Manoel Luiz da Silva e seus familiares.
II PROCEDIMENTO PERANTE A CORTE
5. Notificação ao Estado e aos representantes. – A submissão do caso foi notificada ao Estado e à representação das supostas vítimas2 (doravante “os representantes”), por meio de comunicações de 9 de fevereiro de 2022.
6. Escrito de solicitações, argumentos e provas. – Em 11 de abril de 2022, os representantes apresentaram o escrito de solicitações, argumentos e provas (doravante “escrito de solicitações e argumentos”), nos termos dos artigos 25 e 40 do Regulamento da Corte. Os representantes concordaram com as alegações da Comissão e apresentaram alegações adicionais quanto à suposta violação do direito à verdade, contido nos artigos 8, 13 e 25 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1. Adicionalmente, apresentaram alegações relativas à suposta violação do direito à vida da esposa de Manoel Luiz da Silva, protegido pelo artigo 4 da Convenção. Solicitaram, ainda, a adoção de medidas de reparação adicionais às requeridas pela Comissão.
7. Escrito de exceções preliminares e de contestação. – Em 12 de agosto de 2022, o Estado3 apresentou seu escrito de contestação à submissão do caso e ao Relatório de Mérito, bem como ao escrito de solicitações e argumentos (doravante “escrito de contestação”). Nesse escrito, o Brasil interpôs três exceções preliminares. Além disso, opôs-se às violações alegadas, bem como às medidas de reparação propostas pela Comissão e pelos representantes.
8. Observações às exceções preliminares. – Por meio de escritos de 3 e 4 de novembro de 2022, os representantes e a Comissão, respectivamente, apresentaram suas observações às exceções preliminares interpostas pelo Estado.
2 A representação das supostas vítimas é exercida por Comissão Pastoral da Terra da Paraíba, Dignitatis
e Justiça Global.
3 Mediante comunicação de 11 de março de 2022, o Estado designou como agentes as senhoras e os senhores Antônio Francisco Da Costa e Silva Neto, então Embaixador do Brasil em San José; o Ministro- Conselheiro José Armando Zema de Resende, da Embaixada do Brasil em São José; Lucas dos Santos Furquim Ribeiro, então chefe do Setor de Direitos Humanos da Embaixada do Brasil em San José; o Ministro João Lucas Quental Novaes de Almeida, então Diretor do Departamento de Direitos Humanos e Cidadania do Ministério das Relações Exteriores (doravante “MRE”); a Secretária Bruna Vieira de Paula, chefe da Divisão de Direitos Humanos do MRE; o Secretário Ricardo Edgard Rolf Lima Bernhard, Subchefe da Divisão de Direitos Humanos do MRE; a Secretária Débora Antonia Lobato Candido, assistente da Divisão de Direitos Humanos do MRE; o Secretário Taciano Scheidt Zimmermann, assistente da Divisão de Direitos Humanos do MRE; Homero Andretta Junior, Tonny Teixeira de Lima, Beatriz Figueiredo Campos da Nóbrega, Dickson Argenta de Souza, Taiz Marrão Batista da Costa e Boni de Moraes Soares, advogados da União; Milton Nunes Toledo Junior, Chefe da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos (“MMFDH”); Bruna Nowak, coordenadora de Litígios Internacionais em Direitos Humanos da Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do MMFDH; Dênis Rodrigues da Silva, analista técnico de políticas sociais na Assessoria Especial de Assuntos Internacionais do MMFDH; e Aline Albuquerque Sant’Anna de Oliveira, consultora jurídica do MMFDH.
9. Audiência Pública. – Por meio de Resolução de 29 de novembro de 2023, a Presidência da Corte convocou as partes e a Comissão para uma audiência pública sobre as exceções preliminares e, eventualmente, sobre mérito, reparações e custas,4 que foi realizada em San José, Costa Rica, no dia 8 de fevereiro de 2024, durante o 164º Período Ordinário de Sessões da Corte. 5 Durante essa audiência, o Estado apresentou um reconhecimento parcial de responsabilidade (Capítulo IV infra).
10. Alegações e observações finais escritas. – Em 11 de março de 2024, a Comissão, os representantes e o Estado enviaram suas observações finais escritas e alegações finais escritas. A Comissão e os representantes também apresentaram observações ao reconhecimento parcial de responsabilidade do Estado.
11. Deliberação do presente caso. – A Corte deliberou a presente Sentença no dia 27 de novembro de 2024, durante o 171º Período Ordinário de Sessões.
III COMPETÊNCIA
12. A Corte Interamericana é competente para conhecer do presente caso, nos termos do artigo 62.3 da Convenção Americana, em virtude de que o Brasil é Estado Parte neste instrumento desde 25 de setembro de 1992 e reconheceu a competência contenciosa deste Tribunal em 10 de dezembro de 1998.
IV RECONHECIMENTO DE RESPONSABILIDADE INTERNACIONAL
A. Reconhecimento parcial de responsabilidade por parte do Estado e observações da Comissão e dos representantes
13. Durante a audiência pública do presente caso, o Estado reconheceu sua responsabilidade internacional pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, em razão do “não processamento ágil da ação penal interna”. O Estado esclareceu, em suas alegações finais escritas, que o reconhecimento de sua responsabilidade pela violação dos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção fundamenta-se na violação da garantia do prazo razoável. Por outro lado, reconheceu sua responsabilidade internacional pela “violação do direito à integridade pessoal, com respeito aos familiares do senhor Manoel Luiz da Silva”, em virtude da “falha no […] prosseguimento célere” da ação penal, que “resultou em grave sofrimento dos familiares diretos” de Manoel Luiz da Silva. Adicionalmente, o Estado brasileiro afirmou que os familiares do Sr. da Silva
4 Cf. Caso Da Silva e outros Vs. Brasil. Convocatória a audiência. Resolução do Presidente da Corte Interamericana de Direitos Humanos de 29 de novembro de 2023. Disponível em: www.corteidh.or.cr/docs/asuntos/dasilvayotros_29_11_2023_esp.pdf.
5 Compareceram à audiência: a) por parte da Comissão: Erick Acuña Pereda e Marina de Almeida Rosa, Assessores; b) por parte dos representantes: Hugo Belarmino de Morais, Tânia Maria de Sousa, Eduardo Baker Valls Pereira, Daniela Alessandra Soares Fichino, Ruggeron Caetano dos Reis, María José Cabezas Castro, Daniel Fernández Vasquez e María Fernanda Sánchez Aguilar; e c) em representação do Estado: Embaixador Antônio Alves Jr., Embaixador do Brasil na Costa Rica; Ministro José Armando Zema de Resende, da Embaixada do Brasil na Costa Rica; Felipe Jacques Berger, Subchefe da Divisão de Litígios em Direitos Humanos do MRE; Tonny Teixeira de Lima, Advogado da União e Coordenador de Litígios Internacionais do Departamento de Assuntos Internacionais; Taiz Marrão Batista da Costa, advogada da União; Isabel Penido de Campos Machado, Coordenadora-Geral de Sistemas Internacionais de Proteção dos Direitos Humanos do MDHC; e Maíra Coraci Diniz, Diretora da Câmara de Conciliação Agrária do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (doravante “INCRA”).
experimentaram um “lamentável e inadmissível sofrimento [...] no decurso da ação penal interna” e fez um pedido de “sinceras desculpas”. Além disso, o Estado reconheceu que o senhor Manoel Luiz da Silva foi vítima do contexto de “desigualdade” e “violência no campo”. Nesse sentido, manifestou que “reconhece-se a urgência da democratização da posse da terra e o direito dos trabalhadores e trabalhadoras rurais ao trabalho no campo e à vida em um ambiente livre de violência”. Ademais, o Estado renunciou às exceções preliminares relativas à falta de esgotamento dos recursos internos e à violação do princípio de subsidiariedade do Sistema Interamericano, por serem incompatíveis com seu reconhecimento de responsabilidade.
14. A Comissão afirmou que o Estado reconheceu sua responsabilidade internacional pela violação dos direitos à integridade pessoal, às garantias judiciais e à proteção judicial, estabelecidos nos artigos 5, 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, “devido à falta de devida diligência nas investigações e demora injustificada do processo penal em relação à investigação da morte do senhor Manoel Luiz da Silva, bem como ao impacto gerado em seus familiares”. Além disso, apontou que o Brasil não indicou de forma expressa que reconhecia todas as conclusões de fato e as recomendações do Relatório de Mérito, bem como as alegações apresentadas pela representação das supostas vítimas em seu escrito de solicitações e argumentos. Por fim, a Comissão solicitou que o Tribunal profira uma sentença que inclua a determinação ampla e pontual dos fatos do presente caso, todas as questões de mérito e as medidas de reparação.
15. Os representantes argumentaram que o Estado reconheceu expressamente a violação dos artigos 8.1 e 25.1, mencionando apenas a demora excessiva, mas que também teria reconhecido as falhas na condução da investigação do homicídio de Manoel Luiz da Silva, ao reconhecer a violação do direito à integridade pessoal de seus familiares. Ressaltaram que, embora o Estado não tenha identificado os fatos que integram o seu reconhecimento, entendem que “a interpretação do ato [de reconhecimento] que melhor se conforma com o princípio pro homine é aquela na qual o ato de reconhecimento alcança todos os fatos” apresentados pelos representantes. Acrescentaram que, por questão de coerência, a exceção de incompetência temporal da Corte também deveria ser considerada incompatível com o reconhecimento de responsabilidade do Estado.
B. Considerações da Corte
B.1. Quanto aos fatos
16. Em relação aos fatos submetidos pela Comissão, a Corte conclui que cessou a controvérsia sobre: a) o decurso de aproximadamente 16 anos entre o início do trâmite da ação penal, em novembro de 1997, e a decisão final do processo, em novembro de 2013, bem como os mais de 14 anos a partir da data de aceitação da competência da Corte por parte do Estado; b) o longo período decorrido para a decisão de pronúncia; c) as dificuldades constatadas no cumprimento da Carta Rogatória No. 09/98, expedida para receber alguns depoimentos propostos pela defesa; d) o decurso de 4 anos para a decisão do recurso interposto pela acusação contra a decisão do segundo Tribunal do Júri; e e) as falhas do processo penal e seu impacto no bem-estar e no projeto de vida dos familiares do senhor Manoel Luiz da Silva.
17. Por outro lado, o Tribunal considera que persiste a controvérsia sobre os fatos incluídos no Relatório de Mérito e indicados pela Comissão e pelos representantes, relacionados com: i) a suposta falta de recolhimento de algumas provas consideradas essenciais para a solução do caso; e ii) a alegada “má gestão” do processo penal, que teria se manifestado por meio de uma série de erros evidentes.
B.2. Quanto às pretensões de direito
18. Levando em conta as violações reconhecidas pelo Estado, bem como as observações dos representantes e da Comissão, o Tribunal considera que cessou a controvérsia quanto à violação dos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana (direitos às garantias judiciais e à proteção judicial), em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, unicamente no que diz respeito ao descumprimento da garantia do prazo razoável no processo penal. Igualmente, cessou a controvérsia no que tange à violação do direito à integridade pessoal dos familiares da suposta vítima.
19. Portanto, subsiste a controvérsia sobre a) a alegada violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial (artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento) devido à suposta falta de devida diligência no processo penal; b) a alegada violação do direito à verdade (artigos 8, 13 y 25 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento), em razão da ausência de informação acerca das circunstâncias e dos responsáveis pelo homicídio de Manoel Luiz da Silva; c) a alegada violação do direito à proteção da família (artigo 17 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento), tudo isso em detrimento dos familiares de Manoel Luiz da Silva; e d) a alegada violação do direito à vida, em detrimento da senhora Josefa Maria da Conceição.
B.3. Quanto às eventuais medidas de reparação
20. A Corte ressalta que, no âmbito de seu reconhecimento parcial de responsabilidade, o Estado indicou que já está implementando muitas das garantias de não repetição solicitadas pela Comissão e pelos representantes. Além disso, destacou que, em homenagem a Manoel Luiz da Silva, foi criado o Projeto de Assentamento “Novo Taipú”, o qual assentou 60 famílias de trabalhadores rurais. Por outra parte, no que concerne às medidas de satisfação, o Brasil reiterou seu “sincero pedido de desculpas” aos familiares do senhor da Silva. Em relação às medidas de reabilitação, o Estado indicou que a senhora Josefa Maria da Conceição, mãe de Manoel Luiz da Silva, recebe acompanhamento regular da equipe de Saúde da Família, bem como de um assistente social e de um psicólogo de seu Município. Quanto às demais medidas de reparação propostas pela Comissão e pelos representantes, o Brasil afirmou que reafirma “sua confiança na justa e ponderada análise pela […] Corte […] e sua disposição para dar o cumprimento devido à futura sentença internacional.”
B.4. Avaliação do alcance do reconhecimento de responsabilidade
21. O reconhecimento realizado pelo Estado constitui uma aceitação parcial dos fatos e um reconhecimento parcial das violações alegadas. Esse reconhecimento produz plenos efeitos jurídicos de acordo com os artigos 62 e 64 do Regulamento do Tribunal. A Corte avalia positivamente a vontade do Estado ao manifestar um reconhecimento parcial de responsabilidade internacional, ação que tem transcendência no âmbito do sistema interamericano de proteção dos direitos humanos e contribui para a melhor proteção dos direitos das vítimas.
22. Adicionalmente, a Corte ressalta que o reconhecimento de fatos e violações pontuais e específicos pode ter efeitos e consequências na análise que este Tribunal fizer dos demais fatos e violações alegados, na medida em que todos fazem parte de um
mesmo conjunto de circunstâncias.6
23. Em consideração à gravidade dos fatos e das violações alegadas e tendo em vista que subsiste parte das controvérsias apresentadas no caso em questão, a Corte procederá à determinação dos fatos ocorridos, uma vez que isso contribui para a reparação das vítimas, para evitar que se repitam fatos semelhantes e para, em suma, satisfazer os fins da jurisdição interamericana sobre direitos humanos.7
24. Em seguida, analisará a procedência e o alcance de algumas das violações alegadas pelos representantes e pela Comissão. Nesse sentido, tendo em conta o reconhecimento parcial de responsabilidade internacional do Brasil, e da jurisprudência consolidada sobre o assunto, o Tribunal não considera necessário pronunciar-se sobre a violação do direito à integridade pessoal e dos direitos às garantias judiciais e a proteção judicial pelo incumprimento da garantia do prazo razoável em detrimento dos familiares do senhor Manoel Luiz da Silva, reconhecidos nos artigos 5.1, 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação ao seu artigo 1.1, de forma que procederá a declarar sua violação no capítulo correspondente aos pontos resolutivos. Outrossim, a Corte considera que não é necessário pronunciar-se sobre as violações alegadas pelos representantes em relação aos direitos à proteção da família e a vida, reconhecidos nos artigos 17 e 4.1 da Convenção, respectivamente, uma vez que estas estão compreendidas na violação do direito à integridade pessoal. Por outro lado, considerando que o Estado não reconheceu sua responsabilidade pelas alegadas violações relacionadas à falta de devida diligência no processo penal e ao direito à verdade, a Corte considera necessário pronunciar-se a esse respeito (Capítulo VIII infra).
25. Finalmente, o Tribunal se pronunciará sobre todas as reparações solicitadas pela Comissão e pelos representantes.
V EXCEÇÃO PRELIMINAR
26. De acordo com o capítulo anterior, subsiste a controvérsia quanto à exceção preliminar apresentada pelo Estado em relação à alegada incompetência ratione temporis no que tange aos fatos anteriores à data de reconhecimento da competência contenciosa deste Tribunal por parte do Brasil. A seguir, a Corte se pronunciará sobre essa exceção.
A. Alegada incompetência ratione temporis no que diz respeito aos fatos anteriores à data de reconhecimento da competência contenciosa do Tribunal
A.1. Alegações das partes e da Comissão
27. O Estado afirmou que a morte do senhor Manoel Luiz da Silva, bem como os procedimentos internos de investigação realizados de maio de 1997 a dezembro de 1998, ocorreram antes do reconhecimento da competência deste Tribunal por parte do Brasil,
6 Cf. Caso Rodríguez Vera e outros (Desaparecidos do Palácio de Justiça) Vs. Colômbia. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 14 de novembro de 2014. Série C Nº 287, par. 27, e Caso Leite de Souza e outros Vs. Brasil. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 4 de julho de 2024. Série C Nº 531, par. 23.
7 Cf. Caso Tiu Tojín Vs. Guatemala. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 26 de novembro de 2008. Série C Nº 190, par. 26, e Caso Hidalgo e outros Vs. Equador. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 28 de agosto de 2024. Série C Nº 534, par. 28.
de modo que estariam excluídos da competência ratione temporis da Corte. Ademais, argumentou que o Tribunal tem competência para analisar eventuais violações à Convenção decorrentes de fatos que constituam violações específicas e autônomas de negação de justiça e que comprovadamente tenham sido iniciadas ou que deveriam ter sido iniciadas após 10 de dezembro de 1998.
28. A Comissão apontou que, embora a investigação penal pelos fatos denunciados tenha tido início alguns meses antes da aceitação da competência contenciosa do Tribunal, o processo penal prosseguiu após essa data, persistindo também os seus efeitos. Assim, argumentou que a Corte é competente, em razão do tempo, para conhecer dos fatos submetidos pela Comissão.
29. Os representantes argumentaram que não foram alegadas violações relacionadas a fatos anteriores a 10 de dezembro de 1998, mas sim violações decorrentes da falta do dever de devida diligência na investigação sobre a morte violenta da suposta vítima e dos impactos sofridos por sua família após a data mencionada. Concluíram que, por conseguinte, os argumentos apresentados pelo Estado quanto à exceção preliminar ratione temporis não são procedentes. Ademais, ressaltaram que a exceção preliminar por incompetência ratione temporis seria incompatível com o reconhecimento de responsabilidade internacional relativo às violações dos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção.
A.2. Considerações da Corte
30. A Corte estabeleceu que é competente para conhecer violações ocorridas no âmbito de um processo ou investigação judicial, mesmo que este tenha sido iniciado antes de tal reconhecimento, quando as violações têm origem em fatos independentes ocorridos após a data de reconhecimento da competência do Tribunal.8
31. No presente caso, constata-se que, no escrito de submissão do caso, a Comissão destacou que apenas submetia à Corte fatos posteriores à data de aceitação da jurisdição da Corte pelo Estado. Nessa linha, este Tribunal verifica que tanto a Comissão quanto os representantes identificaram vários fatos supostamente ocorridos no âmbito do processo penal após 10 de dezembro de 1998, data do reconhecimento da competência contenciosa da Corte por parte do Brasil. Portanto, ao possuir competência temporal para se pronunciar sobre os referidos fatos, a Corte rejeita a exceção preliminar.
VI PROVA
A. Admissibilidade da prova documental
32. A Corte recebeu diversos documentos apresentados como prova pela Comissão, pelos representantes e pelo Estado, os quais, como em outros casos, são admitidos entendendo-se que foram apresentados na devida oportunidade processual (artigo 57 do Regulamento).9
8 Cf. Caso das Hermanas Serrano Cruz Vs. El Salvador. Exceções Preliminares. Sentença de 23 de novembro de 2004. Série C Nº 118, par. 84; e Caso Sales Pimenta Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 30 de junho de 2022. Série C Nº 454, par. 20.
9 A prova documental pode ser apresentada, em geral, e de acordo com o artigo 57.2 do Regulamento, juntamente com os escritos de submissão do caso, de solicitações e argumentos ou de contestação, conforme o caso, e não é admissível a prova apresentada fora dessas oportunidades processuais, salvo nas exceções estabelecidas no referido artigo 57.2 do Regulamento (a saber, força maior, impedimento grave) ou caso se trate de um fato superveniente, isto é, ocorrido após os citados momentos processuais. Cf. Caso Velásquez
B. Admissibilidade da prova testemunhal e pericial
33. A Corte considera pertinente admitir as declarações prestadas na audiência pública,10 bem como a declaração prestada perante agente dotado de fé pública,11 na medida em que se ajustem ao objeto definido pela Presidência na Resolução que ordenou recebê-las.12
VII FATOS
34. Neste capítulo a Corte estabelecerá os fatos do caso com base no quadro fático submetido ao seu conhecimento pela Comissão Interamericana, na prova constante dos autos e no reconhecimento de responsabilidade do Estado, em relação aos seguintes aspectos: (A) o contexto de violência contra trabalhadores rurais e os seus defensores;
(B) os seguintes antecedentes do caso: (b.1) homicídio de Manoel Luiz da Silva; (b.2) investigação policial; e (b.3) início da ação penal; e (C) os fatos alegados que se encontram dentro da competência temporal da Corte.
A. Contexto de violência contra trabalhadores rurais e seus defensores
35. Como foi assinalado pela Corte no Caso Sales Pimenta Vs. Brasil, desde o período colonial o Brasil vivenciou uma distribuição desequilibrada da propriedade.13 No ano de 1980, as propriedades rurais com uma extensão maior a 1.000 hectares, considerados como grandes imóveis rurais, representam o 0,93% do total das propriedades rurais, e concentravam 45.10% da área rural total do Brasil. Por sua vez, as propriedades rurais com uma área inferior a 10 hectares representavam 50.35% do total das propriedades rurais, com uma ocupação de 2.47% da área rural total do Brasil.14 A concentração de terras no Brasil se manteve estável desde 1980.15 Os conflitos agrários existentes nas
Rodríguez Vs. Honduras. Mérito. Sentença de 29 de julho de 1988. Série C Nº 4, par. 140, e Caso Capriles Vs. Venezuela. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 10 de outubro de 2024. Série C Nº 541, par. 23.
10 Foram recebidas as declarações de Manoel Adelino de Lima e Aton Fon Filho, propostas pelos representantes, e de Aury Lopes Júnior, proposta pelo Estado.
11 Foi recebido o laudo pericial de Diego Augusto Diehl, proposto pela Comissão.
12 Os objetos das declarações encontram-se estabelecidos na Resolução do Presidente da Corte de 29 de novembro de 2023. Disponível em: http://www.corteidh.or.cr/docs/asuntos/dasilvayotros_29_11_2023_por.pdf.
13 Cf. ONU, Relatório do Relator Especial sobre habitação adequada, como parte do direito a um nível de vida adequado, Sr. Miloon Kothari. Adendo. Missão ao Brasil. Doc. E/CN.4/2005/48/Add.3, 18 de fevereiro de 2004, par. 37; OEA, CIDH. Relatório sobre a Situação dos Direitos Humanos no Brasil, Capítulo VII: a propriedade da terra rural e os direitos humanos dos trabalhadores rurais, OEA/Ser.L/V/II.97, 29 setembro 1997, par. 1, e Oxfam, Brasil. Terrenos da Desigualdade: Terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural, 2016, p. 3. Disponível em: https://rdstationstatic.s3.amazonaws.com/cms/files/115321/1596831720relatorio- terrenos_desigualdade-brasil_0-2.pdf, e Caso Sales Pimenta Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 30 de junho de 2022. Série C Nº 454, par. 44.
14 Cf. Sistema de Recuperação Automática (SIDRA) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo agropecuário, tabela 263: número de assentamentos e áreas rurais por grupos de área total. Disponível em: https://sidra.ibge.gov.br/tabela/263#resultado, e Caso Sales Pimenta Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 30 de junho de 2022. Série C Nº 454, par. 44.
15 Cf. Oxfam, Brasil. Terrenos da Desigualdade: Terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural, supra,
p. 6, e Caso Sales Pimenta Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 30 de junho de 2022. Série C Nº 454, par. 44.
diferentes regiões do Brasil são o resultado dessa grande concentração de terras nas mãos de poucos proprietários.16
36. Em resposta a essa concentração de terras, bem como à prática de apropriação irregular de terras (“grilagem”) 17 e ao processo de modernização e liberalização da agricultura,18 vários movimentos sociais emergiram no Brasil ao longo dos séculos XIX e XX, em particular entre os anos de 1964 a 1985, durante a ditadura militar.19
37. Entre 1961 e 1988, foram reportadas 1.196 mortes no campo relacionadas com conflitos pela terra. No estado da Paraíba, ocorreram 19 casos de mortes e desaparecimentos de camponeses e apoiadores.20 De 1985 a 2022, registraram-se 2.107 assassinatos no campo relacionados com conflitos agrários, com uma média anual deste tipo de homicídio comparável à média observada durante a ditadura militar brasileira.21
38. A violência no campo na Paraíba durante a época do homicídio de Manoel Luiz da Silva levou à instalação, em 8 de maio de 2001, de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (doravante, “CPI”) 22 para investigar denúncias de violência no campo e a formação de milícias privadas no estado da Paraíba.23
39. No que se refere à responsabilização criminal dos autores intelectuais e materiais dos homicídios perpetrados contra trabalhadores rurais, dos 1.280 trabalhadores rurais assassinados no Brasil entre 1985 e 2000, apenas 121 casos foram levados a julgamento. Em relação a esses casos, 67 pessoas foram condenadas.24 A esse respeito, a impunidade no Brasil tem sido denunciada por organismos e especialistas internacionais, como a Relatora Especial das Nações Unidas sobre execuções extrajudiciais, sumárias ou arbitrárias, que, em seu relatório sobre a visita ao Brasil em 2003, destacou que "em
16 Cf. Human Rights Watch. A luta pela terra no Brasil: A violência rural continua, 1992, p. 6. Disponível em: https://www.hrw.org/sites/default/files/reports/braz926full.pdf; e Caso Sales Pimenta Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 30 de junho de 2022. Série C Nº 454, par. 44.
17 O termo “grilagem” pode ser entendido como a ação ilegal dirigida à transferência de terras públicas a favor de terceiros. Cf. Oxfam, Brasil. Terrenos da Desigualdade: Terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural. 2016, supra, p. 3.
18 Durante o processo de modernização da agricultura no Brasil, os grandes assentamentos receberam incentivos fiscais e tiveram acesso a créditos, pesquisas e assistência técnica governamental, com o objetivo de produzir para a exportação e atender à agroindústria. Além disso, tal processo de modernização “provocou o deslocamento de milhões de famílias, principalmente do Nordeste e do Sul do país, em direção às cidades e regiões do Centro-Oeste e Norte”. Cf. Oxfam, Brasil. Terra da Desigualdade: Terra, agricultura e desigualdades no Brasil rural. 2016, supra, pp. 4 a 5.
19 Cf. ONU, Relatório do Relator Especial sobre habitação adequada, como parte do direito a um nível de vida adequado, Sr. Miloon Kothari. Adendo. Missão ao Brasil, supra, pars. 37, 39 e 40; e Caso Sales Pimenta Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 30 de junho de 2022. Série C Nº 454, par. 45.
20 Cf. Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, Brasil. Camponeses mortos e desaparecidos: Excluídos da Justiça de Transição, 1ª Edição: Brasília, DF, 2013, p. 25. Disponível em: http://www.biblioteca.presidencia.gov.br/publicacoes-oficiais/catalogo/dilma/sdh_direito-a-memoria-e-a- verdade-camponeses-mortos-e-desaparecidos_2013.pdf.
21 Cf. Dados da Comissão Pastoral da Terra disponíveis em https://www.cptnacional.org.br/cedoc/centro- de-documentacao-dom-tomas-balduino.
22 A Comissão Parlamentar de Inquérito é um grupo de parlamentares que realiza investigações no âmbito do Poder Legislativo. Neste caso, foi denominada CPI da Violência no Campo, criada em maio de 2001.
23 Cf. Brasil. Assembleia Legislativa da Paraíba. Relatório Final da Comissão Parlamentar para investigar Denúncias de Violência no Campo e a Formação de Milícias Privadas no Estado da Paraíba. João Pessoa, 2001.
24 Cf. Laudo pericial de Diego Augusto Diehl de 29 de janeiro de 2024 (expediente de provas, folha 1732).
alguns casos, os juízes estão sujeitos a pressões dos governos locais ou de atores econômicos influentes, como os latifundiários".25
B. Antecedentes
b.1. O homicídio de Manoel Luiz da Silva
40. Manoel Luiz da Silva era trabalhador rural, integrante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (doravante “MST”) e, na época de sua morte violenta, estava casado com Edileuza Adelino de Lima, com quem tinha um filho, Manoel Adelino de Lima. O senhor da Silva e seus familiares eram pessoas de poucos recursos econômicos.26
41. De acordo com a investigação policial, em 19 de maio de 1997, aproximadamente às 16:00 horas, os trabalhadores rurais Manoel Luiz da Silva (suposta vítima), João Maximiano da Silva, Sebastião Félix Silva e Manoel Luiz Silva (homônimo da suposta vítima) saíram do acampamento do MST, instalado na fazenda “Amarelo”, com o objetivo de ir a uma mercearia para comprar querosene. O acampamento estava localizado no município de São Miguel de Taipú, no estado da Paraíba, e estava sob a supervisão do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (doravante “INCRA”). Ao regressar ao acampamento, por volta das 17:30 horas, passavam por um caminho "carroçável", situado nos terrenos correspondentes à Fazenda Engenho Taipú, de propriedade de A.V.A., quando se encontraram com agentes de segurança privada que trabalhavam para esse fazendeiro, conhecidos como J.C.S., S.L.S. e M.S.W.27
42. Os agentes estavam a cavalo e fortemente armados com rifles, escopetas calibre 12 e revólveres. Avisaram os referidos trabalhadores rurais de que não podiam transitar pelo caminho por onde se encontravam e que o dono da Fazenda Engenho Taipú lhes havia ordenado matar os sem terra que se encontravam nas proximidades da sua fazenda. Pouco depois, os agentes ordenaram que os trabalhadores largassem os objetos que carregavam, que consistiam em três foices e um facão, e dispararam a queima-roupa contra Manoel Luiz da Silva, que morreu instantaneamente.28
43. Em seguida, o homônimo da suposta vítima, Manoel Luiz Silva, e Sebastião Félix Silva conseguiram fugir.29 Os agentes de segurança privada dispararam contra eles pelas
25 ONU. Comissão de Direitos Humanos. Relatório especial sobre a missão ao Brasil da Relatora Especial sobre Execuções Extrajudiciais, Sumárias ou Arbitrárias, Asma Jahangir. Doc. E/CN.4/2004/7/Add.3. p. 18.
26 Cf. Declaração de Manoel Adelino de Lima, prestada na Audiência Pública do presente caso; Declaração em vídeo de Josefa Maria da Conceição (expediente de material audiovisual), e Declaração em vídeo de Usan Ferreira de Azevedo (expediente de material audiovisual).
27 Cf. Denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado da Paraíba em 7 de novembro de 1997 (expediente de provas, folha 1484), e Relatório sobre a investigação policial Nº 027/97, de 18 de setembro de 1997 (expediente de provas, folha 56).
28 Cf. Relatório sobre a investigação policial Nº 027/97, de 18 de setembro de 1997 (expediente de provas, folha 56); Denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado da Paraíba em 7 de novembro de 1997 (expediente de provas, folha 1484), Alegações Finais do Ministério Público de 25 de maio de 2001 (expediente de provas, folha 1489), e Declaração de João Maximiano da Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 27 de maio de 1997 (expediente de provas, folhas 17 e 18).
29 Cf. Decisão de 26 de setembro de 2007, no recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado da Paraíba (expediente de provas, folhas 1522 e 1523).
costas, mas as balas não os atingiram. João Maximiano da Silva foi detido pelos agentes por alguns minutos e, posteriormente, e foi libertado.30
44. Nesse sentido, os trabalhadores sobreviventes narraram o seguinte em suas declarações perante a autoridade policial:
(i) João Maximiano afirmou que “sem qualquer conversa, [um dos agentes] friamente atirou” contra Manoel Luiz da Silva e que “[...] a vítima não teve a menor chance de defesa, pois logo que os capangas se aproximaram, já foram disparando.”31
(ii) Sebastião Félix afirmou que, antes dos disparos, um dos capangas pediu “que todos soltassem as foices” e que “todos quatro cumpriram o pedido”. Acrescentou que: “de repente, um dos elementos disparou contra seu companheiro, que morreu no local” e que, diante da situação, “resolveu fugir.”32
(iii) Manoel Luiz Silva afirmou que, depois do momento em que passaram pela primeira vez pelos agentes de segurança do fazendeiro A.V.A., estes gritaram “vocês estão pensando que aqui não tem homem? [...] não sabem que é proibido andar por aqui?”. Em seguida, segundo o senhor Luiz Silva: “[...] sem qualquer conversa, um baixinho, moreno de bigode, usando chapéu de massa de cor creme, atirou no” Manoel Luiz da Silva. O declarante relatou que, quando viu Manoel Luiz da Silva cair no chão, “correu pulando uma cerca e o mesmo fazendo [...] Sebastião Félix da Silva”.33
45. Adicionalmente, Manoel Luiz Silva (homônimo da suposta vítima) declarou que empregados da Fazenda Engenho Taipú ameaçavam frequentemente os moradores da região com atirar em quem atravessasse a propriedade.34 João Maximiano afirmou que a suposta vítima e seus acompanhantes sempre transitavam por esse caminho, já que era geralmente utilizado pela população local.35
46. A região onde os fatos ocorreram era objeto de conflito de terras e, no momento dos acontecimentos, seu proprietário era A.V.A. Consta dos autos que o senhor A.V.A.
30 Cf. Declaração de João Maximiano da Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 27 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 17).
31 Cf. Declaração de João Maximiano da Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 27 de maio de 1997 (expediente de provas, folhas 17 e 18) e Declaração de João Maximiano da Silva durante audiência para colheita de depoimentos perante o Juiz do distrito de Pilar em 15 de setembro de 1998 (expediente de provas, folha 268).
32 Cf. Declaração de Sebastião Félix perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 27 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 21) e Declaração de Sebastião Félix durante audiência de colheita de depoimentos perante o Juiz do distrito de Pilar em 15 de setembro de 1998 (expediente de provas, folha 264).
33 Cf. Declaração de Manoel Luiz Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 30 de maio de 1997 (expediente de provas, folhas 23 e 24).
34 Cf. Declaração de Manoel Luiz Silva durante audiência de colheita de depoimentos perante o Juiz do distrito de Pilar em 15 de setembro de 1998 (expediente de provas, folha 261).
35 Cf. Declaração de João Maximiano da Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 27 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 18).
pode ter sido quem contratou os agentes supostamente envolvidos na morte do senhor da Silva.36
47. Sobre o disparo, em sua primeira declaração, A.V.A., proprietário da Fazenda Engenho, afirmou que havia sido informado de que o responsável pelo tiroteio seria
M.S.W. 37 O administrador da fazenda, J.P.Q., declarou que também lhe haviam informado que o responsável era M.S.W. 38 J.C.S. e S.L.S. afirmaram que faziam parte do grupo de guardas de segurança que se aproximou da suposta vítima e também atribuíram a autoria do disparo a M.S.W.39
48. Manoel Luiz da Silva foi assassinado na Fazenda Engenho Taipú, deixando sua esposa, Edileuza Adelino de Lima, grávida de dois meses, um filho de quatro anos de idade, Manoel Adelino de Lima, e sua mãe, Josefa Maria da Conceição.40
b.2. A investigação policial
49. Em 20 de maio de 1997, ao tomar conhecimento da morte do senhor da Silva, os trabalhadores rurais do acampamento onde vivia a suposta vítima dirigiram-se à Delegacia de Polícia de São Miguel de Taipú para informar o ocorrido.41 Relataram que havia apenas um policial “o qual tentou ligar (sic) para as cidades de Itabaiana, bem como Pilar, para comunicar o fato e igualmente solicitar providências, [mas] o tal policial não conseguiu em razão do telefone está o tempo todo ocupado”. Por esse motivo, dirigiram-se à Delegacia de Polícia Militar de Itabaiana, acompanhados por Maria Antero de Sousa Silva, Presidenta do Sindicato dos Trabalhadores Rurais do Município de São Miguel de Taipú, para solicitar medidas urgentes.42
50. Nesse mesmo dia, iniciou-se a investigação policial, com a ordem de apreensão das armas que foram confiscadas na Fazenda Engenho Taipú e a colheita de depoimentos de testemunhas.43 Naquele dia, um Capitão da Polícia Militar dirigiu-se a cavalo ao local dos fatos com dois outros policiais. Ao passar pelo acampamento na Fazenda Amarelo, convocou os trabalhadores que presenciaram o delito – João Maximiano da Silva, Manoel Luiz Silva e Sebastião Félix Silva – para que os acompanhassem na diligência. Os cavalos
36 Cf. Declaração de A.V.A. de 18 de junho de 1997 (expediente de provas, folhas 47 e 48), Relatório sobre a investigação policial Nº 027/97, de 18 de setembro de 1997 (expediente de provas, folha 1469), e Declaração de Maria Antero de Sousa Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 26 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 15).
37 Cf. Declaração de A.V.A. de 18 de junho de 1997 (expediente de provas, folha 48).
38 Cf. Declaração de J.P.Q., sem data (expediente de provas, folha 81).
39 Cf. Ata de interrogatório de J.C.S. de 18 de junho de 1997 (expediente de provas, folha 42) e Ata de interrogatório de S.L.S. de 10 de dezembro de 1997 (expediente de provas, folha 66).
40 Cf. Declaração de Manoel Adelino de Lima, prestada na Audiência Pública do presente caso; Declaração em vídeo de Josefa Maria da Conceição (expediente de material audiovisual) e Declaração em vídeo de Usan Ferreira de Azevedo (expediente de material audiovisual).
41 Cf. Declaração de João Maximiano da Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 27 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 18) e Declaração de Sebastião Félix perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 27 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 21).
42 Cf. Declaração de Maria Antero de Sousa Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 26 de maio de 1997 (expediente de provas, folhas 14 e 15) e Declaração de José Carlos da Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 2 de junho de 1997 (expediente de provas, folhas 895 e 896).
43 Cf. Ofício de 20 de maio de 1997 expedido pelo Delegado da Polícia Civil (expediente de provas, folha 12).
montados pelos policiais eram os mesmos utilizados pelos suspeitos da morte da suposta vítima.44
51. Na autópsia, constatou-se que Manoel Luiz da Silva foi atingido por uma arma de grande calibre na região do tórax, sofrendo uma ferida de aproximadamente dois centímetros e meio de diâmetro, produzida por um projétil calibre 12, bem como seis feridas não penetrantes de aproximadamente um centímetro cada.45
52. O delegado de São Miguel de Taipú informou que, na sede da Fazenda Engenho Taipú, foram encontradas quatro escopetas de calibre indefinido, um rifle calibre 38, seis tubos de pólvora, três caixas de carretéis, quatro cartuchos calibre 12, dois cartuchos calibre 20 e uma quantidade aproximada de duzentos gramas de chumbo. Nenhuma arma compatível com o calibre do disparo contra a suposta vítima foi confiscada. 46 Adicionalmente, o laudo pericial do local dos fatos apontou a descoberta do cadáver, de três foices e de um facão – sem fornecer qualquer outra informação.47
53. Em 18 de setembro de 1997, foi emitido o relatório final da investigação policial, no qual foram apontados J.C.S. e S.L.S. como supostos responsáveis pelo homicídio.48
b.3. O início da ação penal
54. Em 7 de novembro de 1997, o Ministério Público do Estado da Paraíba apresentou a denúncia contra J.C.S. e S.L.S.49 J.C.S. e S.L.S. afirmaram que não presenciaram os fatos. J.C.S. afirmou que “não presenciou o fato apurado; que estava na casa Grande da fazenda”, mas indicou que lhe haviam informado que o responsável pelos disparos seria “um tal Marcelo […] que mora em Itaquitinga”. 50 Durante o processo penal, S.L.S. também declarou que se encontrava na fazenda quando os fatos ocorreram.51 Entre 10 de novembro de 1998 e 6 de janeiro de 1999, as testemunhas prestaram depoimentos.52
44 Cf. Declaração de Manoel Luiz Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 30 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 24); Declaração de João Maximiano da Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 27 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 18) e Declaração de Sebastião Félix perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 27 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 21).
45 Cf. Relatório do exame cadavérico (autópsia) de 20 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 1413).
46 Cf. Ofício nº s/n-97-DPSMT-PB expedido pelo Delegado da Polícia Civil no qual se relacionam as armas apreendidas na Fazenda Engenho Taipú (expediente de provas, folha 27).
47 Cf. Laudo pericial do local dos fatos de 20 de maio de 1997 (expediente de provas, folhas 33 a 38).
48 Cf. Relatório Final sobre a investigação policial de 18 de setembro de 1997 (expediente de provas, folhas 54 a 59).
49 Cf. Denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado da Paraíba em 18 de setembro de 1997 (expediente de provas, folhas 864 a 867).
50 Cf. Ata de interrogatório de J.C.S. de 25 de maio de 1998 (expediente de provas, folha 136).
51 Cf. Ata de interrogatório de S.L.S. de 10 de dezembro de 1997 (expediente de provas, folha 144) e Decisão de 26 de setembro de 2007 no recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado da Paraíba (expediente de provas, folha 1525).
52 Cf. Declaração de Sebastião Felix da Silva de 10 de novembro de 1998 (expediente de provas, folhas 79 e 80) e Ata de audiência de 6 de janeiro de 1999 (expediente de provas, folha 87).
C. Fatos alegados que se encontram dentro da competência temporal da Corte
55. Após a etapa de instrução do caso, em 8 de outubro de 2001, o juiz anulou a maior parte dos atos processuais realizados até então, aceitando o pedido da defesa para sanar diversas omissões encontradas. Entre elas, estavam a ausência de citação das testemunhas oferecidas pelos advogados dos acusados, a falta de notificação dos advogados dos acusados em alguns atos processuais e a inversão da ordem legal dos depoimentos testemunhais. Assim, recomeçou toda a instrução penal, com a emissão de ofícios para a repetição de todos os atos anulados.53
56. Em 15 de setembro de 2003 foi proferida a sentença de pronúncia,54 por meio da qual o juiz competente submeteu o caso ao Tribunal do Júri, considerando que havia indícios suficientes da prática de um homicídio doloso.55 Em 15 de outubro de 2003 a defesa interpôs recurso contra a referida decisão.56 O recurso foi decidido em 21 de dezembro de 2004 pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, determinando que o caso deveria prosseguir em relação a S.L.S., uma vez que a notificação da sentença de pronúncia de
J.C.S. “restou frustrada”. Além disso, ordenou que fosse realizada a intimação pessoal
de J.C.S..57
57. Em 23 de março de 2006 ocorreu a sessão do Tribunal do Júri58. Os representantes informaram que, durante seu interrogatório, o acusado negou haver participado do delito e afirmou que estava em sua residência no momento do homicídio. Afirmou que não sabia ler e que desconhecia a declaração contida nas atas em que haveria confessado sua participação no crime59. A testemunha de acusação Manoel Luiz Silva (homônimo da vítima) confirmou aos jurados que S.L.S. havia sido um dos participantes do homicídio e também afirmou que, após o crime, havia se mudado para outra cidade por medo de represálias do Sr. A.V.A.N., proprietário da fazenda Engenho Taipú60. O Tribunal de Júri decidiu por maioria absolver o acusado.61 O Ministério Público e a assistente da acusação interpuseram recurso de apelação contra a decisão, o qual foi decidido em 26 de setembro de 2007 pelo Tribunal de Justiça da Paraíba, anulando a decisão do Tribunal do Júri e designando um novo julgamento.62
53 Cf. Decisão judicial de 8 de outubro de 2001 (expediente de provas, folha 113).
54 A "pronúncia" é a decisão que encerra a primeira fase do processo no tribunal do júri brasileiro, na qual, conforme o Art. 413 do Código de Processo Penal Brasileiro (doravante "CPP"), "[o] juiz, fundamentadamente, pronunciará o acusado, se convencido da materialidade do fato e da existência de indícios suficientes de autoria ou de participação".
55 Cf. Sentença de pronúncia de 15 de setembro de 2003 (expediente de provas, folha 1519).
56 Cf. Recurso em sentido estrito interposto em 15 de outubro de 2003 (expediente de provas, folhas 157 a 160).
57 Cf. Decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba de 2004 sobre o recurso em sentido estrito (expediente de provas, folha 162).
58 Cf. Sentença absolutória proferida pelo Tribunal do Júri de Pilar em 23 de março de 2006 (expediente de provas, folhas 7 e 8).
59 Cfr. Ofício JG-RJ nº 34/06 de 23 de março de 2006 (expediente de provas, folhas 402 a 405).
60 Cfr. Ofício JG-RJ nº 34/06 de 23 de março de 2006 (expediente de provas, folhas 402 a 405).
61 Cf. Sentença absolutória proferida pelo Tribunal do Júri de Pilar em 23 de março de 2006 (expediente de provas, folhas 7 e 8).
62 Cf. Decisão do Tribunal de Justiça da Paraíba de 26 de setembro de 2007 (expediente de provas, folha 1526).
58. Em 1º de dezembro de 2009, J.C.S. e S.L.S. foram submetidos a novo julgamento pelo Tribunal do Júri. Nesse julgamento, reconheceu-se a materialidade do delito por unanimidade e a atuação em concurso para o crime. Contudo, foi proferida decisão absolutória 63 em relação a ambos os acusados. 64 O Ministério Público interpôs novo recurso de apelação, o qual foi declarado improcedente após exame do Tribunal de Justiça do referido estado.65 Assim, a decisão de absolvição dos acusados transitou em julgado em 22 de novembro de 2013.66
VIII MÉRITO
59. No presente caso, compete à Corte analisar a responsabilidade internacional do Estado decorrente da alegada falta de devida diligência no processo penal iniciado em virtude do homicídio de Manoel Luiz da Silva. Ademais, compete estudar a suposta violação do direito à verdade dos seus familiares.
VIII-1 DIREITOS ÀS GARANTIAS JUDICIAIS, À VERDADE E À PROTEÇÃO JUDICIAL EM RELAÇÃO À OBRIGAÇÃO DE RESPEITAR OS DIREITOS 67
A. Alegações das partes e da Comissão
60. A Comissão afirmou que o Estado tinha o dever de iniciar linhas de investigação sobre a participação de agentes estatais no homicídio do senhor da Silva, pois existiam indícios dessa participação, como o uso, por parte dos policiais que investigaram os fatos, de cavalos de propriedade do dono da fazenda onde os fatos ocorreram, os mesmos que teriam sido usados pelos suspeitos. Acrescentou que não consta no processo penal informação de que a vítima pertencia ao MST, apesar de haver elementos quanto a um possível vínculo entre o crime e essa circunstância. Por outro lado, a Comissão apontou que, ao contrário do Protocolo de Minnesota, a investigação do homicídio de Manoel Luiz da Silva não confirmou se os projéteis que o atingiram foram disparados pelas armas encontradas na fazenda. Além disso, indicou que não foram exploradas todas as hipóteses de autoria sugeridas na investigação, concentrando-se em duas pessoas, mesmo quando testemunhas presenciais afirmaram haver pelo menos três pessoas envolvidas, e tampouco foi investigada a possível autoria intelectual do crime. A Comissão também destacou que, embora tenham sido ordenadas uma série de diligências fundamentais para o esclarecimento de todas as responsabilidades, várias delas não foram realizadas sem que houvesse uma justificativa clara e coerente a respeito. A Comissão argumentou que, apesar das omissões por parte da polícia, o Ministério Público decidiu apresentar a denúncia, após a qual S.L.S. foi absolvido, enquanto os outros acusados nem sequer foram julgados. O anterior seria incompatível com o dever de
63 Nos termos do art. 483, III do CPP brasileiro, após a votação dos quesitos referentes à autoria e à materialidade, vota-se o quesito genérico sobre a absolvição dos acusados.
64 Cf. Sentença absolutória de 1 de dezembro de 2009 (expediente de provas, folhas 1528 e 1529).
65 Cf. Decisão de 16 de outubro de 2013 no recurso de apelação interposto pelo Ministério Público do Estado da Paraíba (expediente de provas, folhas 1531 a 1538).
66 Cf. Certidão de coisa julgada da decisão de absolvição de 22 de novembro de 2013 (expediente de provas, folha 1540).
67 Artigos 8, 13 e 25 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento.
investigar com a devida diligência, de forma que o Estado teria violado os artigos 8.1 e
25.1 da Convenção Americana, em relação às obrigações estabelecidas no artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento dos familiares da suposta vítima.
61. Os representantes destacaram que os impactos da morte de Manoel Luiz da Silva para seus familiares e no assentamento onde viviam não podem ser tratados como uma questão individual, mas necessariamente fazem parte de um contexto social mais amplo, no qual o Estado deveria ter garantido uma investigação efetiva sobre sua morte. Ressaltaram que os anos posteriores ao início da ação penal foram marcados por um lento avanço processual e pela falta de diligência na condução das investigações. Argumentaram também que as investigações se limitaram a entrevistar testemunhas convocadas pela defesa e pelo Ministério Público, de modo que não houve, por exemplo, qualquer tentativa de identificar ou localizar o suposto autor do disparo, M.S.W., nem de localizar a arma utilizada. Por outro lado, os representantes sustentaram que a questão do direito à verdade seria relevante neste caso não só porque o crime não foi solucionado, mas também por causa da suposta falta de preocupação das autoridades estatais em enquadrar a morte de Manoel Luiz da Silva no contexto da luta pela terra na Paraíba e, de maneira mais geral, no Brasil.
62. Durante a audiência pública e em suas alegações finais escritas, o Estado reconheceu a violação dos artigos 8 e 25 da Convenção Americana, decorrente do “não processamento ágil da ação penal interna”, por não se ajustar aos parâmetros estabelecidos pelos precedentes da Corte em relação à garantia do prazo razoável. Ademais, o Estado reconheceu a falha no trâmite célere do processo penal. Por outro lado, quanto à alegação de violação do direito à verdade, o Estado argumentou que “não apresentou uma narrativa alternativa ou fantasiosa dos fatos que buscasse ocultação do ocorrido”. Ao contrário, teria adotado medidas para esclarecer o que aconteceu e responsabilizar os culpados, embora tenha havido uma “falha estatal na condução dos recursos internos, o que resultou em impunidade”.
B. Considerações da Corte
B.1. A devida diligência no processo penal
63. A Corte tem expressado de forma reiterada que os Estados Partes estão obrigados a fornecer recursos judiciais efetivos às vítimas de violações de direitos humanos (artigo 25), recursos que devem ser processados em conformidade com as regras do devido processo legal (artigo 8.1), tudo isso dentro da obrigação geral, a cargo dos próprios Estados, de garantir o livre e pleno exercício dos direitos reconhecidos pela Convenção a toda pessoa que se encontre sob sua jurisdição (artigo 1.1).68
64. Em todos os casos que envolvam violações dos direitos humanos, os Estados devem assegurar uma justiça imparcial, oportuna e de ofício para a coleta de provas e a devida análise das hipóteses de autoria, por ação ou omissão.69 Nesse sentido, esta Corte estabeleceu que, a fim de garantir sua efetividade, uma investigação de violações dos direitos humanos deve evitar omissões na coleta de evidências e no seguimento de linhas
68 Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Exceções Preliminares, supra, par. 91, e Caso Capriles Vs. Venezuela. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 10 de outubro de 2024. Série C Nº 541, par. 151.
69 Cf. Caso Escaleras Mejía e outros Vs. Honduras. Sentença de 26 de setembro de 2018. Série C Nº 361, par. 47, e Caso Tavares Pereira e outros Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 16 de novembro de 2023. Série C Nº 507, par. 152.
lógicas de investigação. 70 Assim, a eficiente determinação da verdade no âmbito da obrigação de investigar uma morte deve ser demonstrada desde as primeiras diligências, com toda a acuidade.71
65. Nesse sentido, a Corte especificou os princípios orientadores que devem ser observados numa investigação de uma morte violenta, conforme se depreende dos fatos do presente caso. As autoridades estatais que conduzem uma investigação desse tipo devem realizar, no mínimo, entre outras medidas: i) identificar a vítima; ii) recuperar e preservar o material probatório relacionado à morte, a fim de auxiliar em qualquer potencial investigação penal dos responsáveis; iii) identificar possíveis testemunhas e obter seus depoimentos em relação à morte investigada; iv) determinar a causa, a forma, o local e o momento da morte, bem como qualquer padrão ou prática que possa ter ocasionado a morte; e v) distinguir entre morte natural, morte acidental, suicídio e homicídio. As autópsias e os exames de restos humanos devem ser realizados de forma rigorosa, por profissionais competentes e empregando os procedimentos mais adequados.72
66. A Corte afirmou que é necessário investigar exaustivamente a cena do crime73 e que devem ser realizadas diligências mínimas e indispensáveis para a conservação dos elementos de prova e evidências que possam contribuir para o sucesso da investigação.74 Nesse sentido, em relação à cena do crime, os investigadores devem, no mínimo: fotografar a referida cena,75 qualquer outra evidência física e o corpo tanto como foi encontrado quanto após ser movido; coletar e conservar todas as amostras de sangue, cabelo, fibras, fios ou outras pistas que devam ser coletadas e conservadas;76 examinar a área em busca de pegadas ou qualquer outra marca que tenha natureza de evidência e elaborar um relatório detalhado das observações da cena, das ações dos investigadores e da disposição de todas as evidências coletadas.77 O Protocolo de Minnesota estabelece, entre outras obrigações, que, ao investigar uma cena do crime, deve-se isolar a área contígua ao cadáver e proibir o acesso, salvo para o investigador e sua equipe.78
70 Cf. Caso do Massacre de la Rochela Vs. Colômbia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 11 de maio de 2007. Série C Nº 163, par. 158, e Caso Tavares Pereira e outros Vs. Brasil, supra, par. 154.
71 Cf. Caso Servellón García e outros Vs. Honduras, supra, par. 120, e Caso Leite de Souza e outros Vs. Brasil. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 4 de julho de 2024. Série C Nº 531, par. 155.
72 Cf. Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 7 de junho de 2003. Série C Nº 99, par. 127, e Caso Tavares Pereira e outros Vs. Brasil, supra, par. 154.
73 Cf. Caso Juan Humberto Sánchez Vs. Honduras, supra, par. 127, e Caso Leite de Souza e outros Vs. Brasil, supra, par. 156.
74 Cf. Caso González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 16 de novembro de 2009. Série C Nº 205, par. 301, e Caso Leite de Souza e outros Vs. Brasil, supra, par. 156.
75 Cf. Caso González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México, supra, par. 301, e Caso Tavares Pereira e outros Vs. Brasil., supra, par. 155.
76 Cf. Caso Servellón García e outros Vs. Honduras, supra, par. 121, e Caso Tavares Pereira e outros Vs. Brasil, supra, par. 155.
77 Cf. Caso González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México, supra, par. 301, e Caso Tavares Pereira e outros Vs. Brasil, supra, par. 155.
78 Cf. Caso González e outras (“Campo Algodoeiro”) Vs. México, supra, par. 301, e Caso Tavares Pereira e outros Vs. Brasil, supra, par. 155.
67. A esse respeito, a Corte observa que, em virtude de sua competência ratione temporis, não pode examinar eventuais atos e omissões do Estado no âmbito da investigação policial que possam ter resultado na falta de devida diligência na atuação estatal antes do reconhecimento da competência contenciosa deste Tribunal (par. 31 supra). Contudo, as ações e omissões nessa etapa têm consequências ao longo de todo o processo penal, tanto na definição das linhas de investigação, na prova disponível, como também, eventualmente, no resultado do processo.
68. Desta forma, a Corte verifica que, desde o início de sua competência temporal, para além da violação da garantia do prazo razoável, já reconhecida pelo Estado (par. 13 supra), houve uma série de falhas no âmbito do processo penal que contribuíram para a impunidade do presente caso. A esse respeito, a Corte observa que, embora não tenha incluído em seu reconhecimento de responsabilidade a alegada falta de devida diligência, conforme foi apresentada pela Comissão e pelos representantes, o Estado indicou que houve falhas na administração da justiça por parte do Estado, o que se traduziu em impunidade.
69. Em particular, a Corte considera que os principais fatos ocorridos após 10 de dezembro de 1998, que refletem a falta de devida diligência do Brasil em investigar, julgar e sancionar todos os responsáveis pelo homicídio de Manoel Luiz da Silva, são:
i. A falta de consideração de outras linhas de investigação, inclusive a relativa à participação de agentes estatais, tendo em conta os indícios existentes, o que poderia ter sido realizado em distintos momentos processuais que permitissem a coleta de provas. Um dos principais indícios que não foi objeto de qualquer investigação foi o suposto uso, por parte dos agentes policiais que se dirigiram ao local dos fatos na manhã seguinte à sua ocorrência, dos mesmos cavalos que estariam montando os suspeitos do homicídio do senhor da Silva quando os fatos ocorreram.79
ii. A ausência de diligências para a identificação e busca do suposto terceiro suspeito – possível autor do disparo. Além de alguns ofícios dirigidos a municípios próximos ao local onde ocorreram os fatos e a algumas agências governamentais, 80 não consta nos autos a existência de diligências com o propósito de verificar a existência de M.S.W. e buscá-lo para interrogá-lo.81
iii. A ausência de diligências para a identificação do possível autor intelectual do crime, que poderiam ter sido realizadas em diversos momentos processuais que permitem a coleta de provas.
79 Cf. Laudo pericial de Diego Augusto Diehl de 29 de janeiro de 2024 (expediente de provas, folhas 1762 a 1763 e 1768); Declaração de Manoel Luiz Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 30 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 24); Declaração de João Maximiano da Silva perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 27 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 18); Declaração de Sebastião Félix perante a Delegacia de Polícia Civil de São Miguel de Taipú em 27 de maio de 1997 (expediente de provas, folha 21); e Ata de interrogatório de S.L.S. de 10 de dezembro de 1997 (expediente de provas, folha 66).
80 Cf. Ofício de 18 de setembro de 1997 sobre os antecedentes penais de M.S.W. (expediente de provas, folha 53), e Relatório Final sobre a investigação policial de 18 de setembro de 1997 (expediente de provas, folhas 54 a 59).
81 Cf. Laudo pericial de Diego Augusto Diehl de 29 de janeiro de 2024 (expediente de provas, folhas 1758 a 1759 e 1769), e Perícia de Aton Fon Filho prestada na audiência pública perante a Corte em 9 de fevereiro de 2024.
iv. A ausência de confrontação entre as testemunhas e os acusados, especialmente considerando a contradição entre os depoimentos coletados na investigação e durante o processo judicial.82
v. A falta de realização de diligência de reconstrução dos fatos, que poderia ter sido conduzida pelo Ministério Público antes ou depois da apresentação da denúncia.
vi. A ausência de laudo pericial das armas e munições apreendidas nas proximidades do local dos fatos para examinar eventuais marcas de sangue, impressões digitais, entre outros aspectos.83 A esse respeito, a Corte observa que, em nenhum momento, as autoridades estatais realizaram diligências para esclarecer a data da apreensão (não consta do documento) e a identidade de quem possuía as armas,84 tampouco a cadeia de custódia das mesmas.
vii. A ausência de pedido de complementação da autópsia para a obtenção da direção e do sentido de penetração dos projéteis.85
viii. A falta de coleta de depoimentos durante o processo penal dos agentes policiais que se dirigiram ao local dos fatos,86 considerando que há informações nos autos de que o local foi alterado e o corpo de Manoel Luiz da Silva foi movido de sua posição original. 87 Além disso, os depoimentos prestados por esses agentes poderiam ter sido confrontados com os depoimentos das três testemunhas oculares.
ix. Os diversos erros manifestos na tramitação do caso que resultaram em nulidades processuais. 88 A título de exemplo, a ausência de citação das testemunhas oferecidas pela defesa, a falta de citação do advogado dos acusados em diversos atos processuais e a inversão da ordem na coleta dos depoimentos das testemunhas de acusação e de defesa.
x. A ausência de qualquer medida de proteção às testemunhas oculares.89 A esse respeito, a Corte recorda que João Maximiano da Silva, Sebastião Félix Silva e Manoel Luiz Silva (homônimo da suposta vítima) não apenas teriam sido alvo de disparos e ameaças por parte dos responsáveis pelo homicídio de Manoel Luiz da Silva, como também eram pessoas que poderiam oferecer contribuições determinantes para o esclarecimento dos fatos, o que os colocava em situação de risco.
82 Cf. Laudo pericial de Diego Augusto Diehl de 29 de janeiro de 2024 (expediente de provas, folhas 1758 e 1769).
83 Cf. Perícia de Aton Fon Filho prestada na audiência pública perante a Corte em 9 de fevereiro de 2024 e Laudo pericial de Diego Augusto Diehl de 29 de janeiro de 2024 (expediente de prova, folha 1769).
84 Cf. Perícia de Aton Fon Filho prestada na audiência pública perante a Corte em 9 de fevereiro de 2024.
85 Cf. Versão escrita da perícia de Aton Fon Filho prestada na Audiência Pública do presente caso (expediente de prova, folha 1825).
86 Cf. Laudo pericial de Diego Augusto Diehl de 29 de janeiro de 2024 (expediente de provas, folhas 1768 e 1769).
87 Cf. Laudo pericial de Diego Augusto Diehl de 29 de janeiro de 2024 (expediente de provas, folha 1765).
88 Cf. Laudo pericial de Diego Augusto Diehl de 29 de janeiro de 2024 (expediente de prova, folha 1769).
89 Cf. Laudo pericial de Diego Augusto Diehl de 29 de janeiro de 2024 (expediente de prova, folha 1769).
xi. A falta de consideração do contexto de violência contra trabalhadores rurais em que ocorreram os fatos.
70. A Corte recorda que a falta de diligência tem como consequência que, à medida do transcurso do tempo, diminuem as possibilidades de obter e apresentar provas pertinentes que permitam esclarecer os fatos e determinar as correspondentes responsabilidades, de modo que os operadores de justiça contribuem para a impunidade.90 Conforme se depreende do próprio reconhecimento de responsabilidade, foram as falhas cometidas pelo Estado no curso do processo penal que levaram à impunidade do caso em questão.
71. Diante do exposto, a Corte conclui que o Estado não cumpriu o seu dever de devida diligência no curso do processo penal iniciado em decorrência do homicídio de Manoel Luiz da Silva. Portanto, o Brasil é responsável pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, contidos nos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação ao seu artigo 1.1, em detrimento de Josefa Maria da Conceição, Manoel Adelino de Lima e Edileuza Adelino de Lima.
B.2. O direito à verdade
72. Conforme esta Corte já assinalou, “toda pessoa, incluindo os familiares das vítimas de graves violações dos direitos humanos, tem o direito de conhecer a verdade”, o que implica que “devem ser informados de tudo o que ocorreu em relação a tais violações”.91 O direito à verdade se relaciona, de modo geral, com o direito de que o Estado realize as ações destinadas a alcançar “o esclarecimento dos fatos violadores e as responsabilidades correspondentes”.92 A Corte recorda que os processos judiciais têm um papel significativo na reparação das vítimas, que deixam de ser sujeitos passivos em relação ao poder público para se tornarem pessoas que reivindicam direitos e participam dos processos judiciais ou administrativos nos quais se investigam violações dos direitos.93
73. Por sua vez, a Corte estabeleceu que a satisfação desse direito é de interesse não apenas dos familiares das vítimas, mas também da sociedade como um todo, pois isso facilita a prevenção desse tipo de violação no futuro.94 Em suma, o direito à verdade, dessa forma, faculta à vítima, a seus familiares e ao público em geral a buscar e obter todas as informações pertinentes relativas à ocorrência da violação.95
74. Com efeito, foi estabelecido na jurisprudência deste Tribunal que, embora o direito de conhecer a verdade esteja fundamentalmente enquadrado no direito de acesso à
90 Cf. Caso Ibsen Cárdenas e Ibsen Peña Vs. Bolívia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 1 de setembro de 2010 Série C Nº 217, par. 172, e Caso Asociación Civil Memoria Activa Vs. Argentina. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 26 de janeiro de 2024. Série C Nº 516, par. 152.
91 Cf. Caso Trujillo Oroza Vs. Bolívia. Reparações e Custas. Sentença de 27 de fevereiro de 2002. Série C Nº 92, par. 100, e Caso Asociación Civil Memoria Activa Vs. Argentina, supra, par. 263.
92 Cf. Caso Gómez Palomino Vs. Peru, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 22 de novembro de 2005. Série C Nº 136, par. 80, e Caso Asociación Civil Memoria Activa Vs. Argentina, supra, par. 263.
93 Cf. Caso Asociación Civil Memoria Activa Vs. Argentina, supra, par. 263.
94 Cf. Caso Gómez Palomino Vs. Peru, supra, par. 78, e Caso Asociación Civil Memoria Activa Vs. Argentina, supra, par. 264.
95 Cf. ONU. Relatório do Relator Especial sobre a promoção da verdade, da justiça, da reparação e de garantias de não repetição. A/HRC/24/42. 28 de agosto de 2013, par. 20, e Caso Asociación Civil Memoria Activa Vs. Argentina, supra, par. 264.
justiça, sua natureza é ampla e, por conseguinte, sua violação pode impactar diversos direitos contidos na Convenção Americana, como é o caso dos direitos às garantias judiciais e à proteção judicial, reconhecidos nos artigos 8 e 25 do tratado, e o direito de acesso à informação, protegido pelo artigo 13.1 do referido instrumento.96
75. Assim, a Corte observa que, no presente caso, a morte violenta do senhor Manoel Luiz da Silva se inseriu no grave contexto de violência contra trabalhadores rurais e defensores de seus direitos, particularmente na Paraíba, acompanhada de um elevado índice de impunidade relacionado a essa violência. A esse respeito, o perito Fon Filho afirmou que a violência é uma tática permanentemente utilizada pelos proprietários rurais para desalojar acampamentos.97 Dessa forma, o esclarecimento do homicídio e das responsabilidades correspondentes não importante apenas para a família de Manoel Luiz da Silva, mas também possuía uma dimensão coletiva, uma vez que a falta de esclarecimento das circunstâncias da morte violenta do senhor da Silva gera um efeito amedrontador para os trabalhadores rurais da região.
76. Somado ao exposto, a Corte verifica que o caso permanece numa situação de absoluta impunidade até hoje, conforme reconhecido pelo Estado (par. 13 supra). Isso se deve ao fato de que as circunstâncias da morte de Manoel Luiz da Silva não foram completamente esclarecidas, apesar da existência de duas testemunhas oculares e dos meios de prova que estavam à disposição das autoridades estatais.
77. Em vista das considerações anteriores, este Tribunal considera o Estado responsável pela violação do direito à verdade, estabelecido nos artigos 8.1, 13.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de Josefa Maria da Conceição, Manoel Adelino de Lima e Edileuza Adelino de Lima.
X REPARAÇÕES
78. De acordo com o disposto no artigo 63.1 da Convenção Americana, a Corte indicou que toda violação de uma obrigação internacional que tenha provocado dano compreende o dever de repará-lo adequadamente. Essa disposição reflete uma norma consuetudinária que constitui um dos princípios fundamentais do Direito Internacional contemporâneo sobre a responsabilidade de um Estado.98
79. A reparação do dano causado pela violação de uma obrigação internacional exige, sempre que possível, a plena restituição (restitutio in integrum), que consiste no restabelecimento da situação anterior. Caso isso não seja possível, como ocorre na maioria dos casos de violações de direitos humanos, o Tribunal determinará medidas para garantir os direitos violados e reparar as consequências das infrações cometidas.99
96 Cf. Caso Integrantes e Militantes da Unión Patriótica Vs. Colômbia. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 27 de julho de 2022. Série C Nº 455, par. 479, e Caso González Méndez e outros Vs. México. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 22 de agosto de 2024. Série C Nº 532, par. 193.
97 Cf. Declaração do perito Aton Fon Filho prestada durante a Audiência Pública do presente caso.
98 Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, supra, par. 190, e Caso Capriles Vs. Venezuela, supra, par. 190.
99 Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras, supra, pars. 25 e 26, e Caso Capriles Vs. Venezuela, supra, par. 191.
Portanto, a Corte considerou a necessidade de conceder diversas medidas de reparação para compensar os danos de maneira integral, de forma que, além das compensações pecuniárias, as medidas de restituição, reabilitação, satisfação e garantias de não repetição têm especial relevância em razão dos danos ocasionados.100
80. A Corte estabeleceu que as reparações devem ter um nexo causal com os fatos do caso, com as violações declaradas, os danos provados, e com as medidas solicitadas para reparar os respectivos danos. Portanto, a Corte deverá observar essa simultaneidade para pronunciar-se devidamente e conforme o direito.101
81. Ao tomar em consideração as violações à Convenção Americana declaradas no capítulo anterior, à luz dos critérios fixados na jurisprudência do Tribunal em relação à natureza e ao alcance da obrigação de reparar,102 bem como o reconhecimento parcial de responsabilidade internacional realizado pelo Estado, a Corte analisará as pretensões apresentadas pela Comissão e pelos representantes, bem como os argumentos do Estado a esse respeito, com o objetivo de dispor, a seguir, as medidas destinadas a reparar tais violações.
A. Parte lesada
82. Este Tribunal considera parte lesada, nos termos do artigo 63.1 da Convenção, as pessoas que foram declaradas vítimas de violação de algum direito reconhecido na mesma. Portanto, esta Corte considera os seguintes familiares de Manoel Luiz da Silva como “parte lesada”: Josefa Maria da Conceição (mãe), Manoel Adelino de Lima (filho) e Edileuza Adelino de Lima (esposa falecida). As pessoas mencionadas anteriormente, em sua qualidade de vítimas das violações declaradas no capítulo V, serão consideradas beneficiárias das reparações ordenadas a seguir.
B. Obrigação de investigar
83. A Comissão solicitou que a Corte ordene ao Estado conduzir uma investigação diligente, efetiva e em um prazo razoável, com o objetivo de esclarecer plenamente os fatos e identificar todas as possíveis responsabilidades em relação ao homicídio e aos atrasos que resultaram na impunidade do caso. Tendo em conta a gravidade dos fatos e os padrões interamericanos pertinentes, a Comissão sublinhou que o Estado não pode invocar a prescrição para justificar o descumprimento da medida.
84. Os representantes reconheceram que dois acusados foram processados e absolvidos duas vezes, de forma que desde o ponto de vista da legislação interna brasileira, um terceiro Tribunal do Júri não seria possível. Além disso, notaram que a pessoa que pareceria ser responsável por organizar a estrutura repressiva que provocou a morte de Manoel Luiz da Silva, o proprietário da fazenda onde ocorreu o crime, já faleceu, impossibilitando sua responsabilização penal. Apesar disso, solicitaram que seja ordenada uma investigação completa e imparcial para o julgamento da terceira pessoa envolvida no crime, que teria sido responsável pelo disparo. No entanto, em virtude do
100 Cf. Caso do Massacre de Las Dos Erres Vs. Guatemala. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 24 de novembro de 2009. Série C Nº 211, par. 226, e Caso Capriles Vs. Venezuela, supra, par. 191.
101 Cf. Caso Ticona Estrada Vs. Bolívia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 27 de novembro de 2008. Série C Nº 191, par. 110, e Caso Capriles Vs. Venezuela, supra, par. 192.
102 Cf. Caso Velásquez Rodríguez Vs. Honduras. Reparações e Custas, supra, pars. 25 a 27, e Caso Capriles Vs. Venezuela, supra, par. 193.
tempo decorrido e da ineficácia da investigação prévia, sublinharam a importância de conceder medidas de satisfação e de não repetição. Ademais, os representantes argumentaram que o reconhecimento parcial da responsabilidade internacional do Estado deve levar à imposição da obrigação de investigar os fatos nos termos apresentados.
85. O Estado opôs-se às medidas solicitadas pela Comissão e pelos representantes. Reiterou que todas as investigações e processos internos já foram realizados e destacou que, no curso do processo penal, a figura da prescrição não foi aplicada e que os acusados foram efetivamente julgados e, finalmente, absolvidos pelo Tribunal do Júri. Adicionalmente, o Estado argumentou que o caso não pode ser qualificado como uma grave violação de direitos humanos e dar lugar às consequências próprias desse tipo único de violação, a qual constitui uma exceção e não uma regra. Ressaltou que o crime cometido contra o senhor Manoel Luiz da Silva foi perpetrado por particulares, sem qualquer participação de agentes estatais, de modo que não se assemelha a casos de tortura, desaparecimento forçado ou execução extrajudicial, aos quais a Corte costuma aplicar sua interpretação no que tange à prescrição. Por outro lado, considerando o pedido dos representantes de que o Estado inicie investigações para identificar e sancionar o terceiro possivelmente envolvido no crime – o senhor M.S.W. –, o Estado argumentou que a autoridade policial competente realizou esforços adequados e suficientes no momento oportuno. Assim, a ausência de processamento do terceiro suspeito, segundo o Estado, não se deveu à negligência ou a uma conduta tendente a deixar o crime impune, mas sim à falta de resultados positivos nas diligências realizadas para sua plena identificação.
86. Esta Corte toma nota de que o homicídio do senhor da Silva ocorreu em um contexto de violência contra trabalhadores rurais e defensores dos direitos dos camponeses ao acesso à terra, sobre o qual esta Corte já se pronunciou no caso Sales Pimenta Vs. Brasil. 103 Nesse sentido, no presente caso, ficou estabelecida a responsabilidade internacional do Estado pela falta de devida diligência por parte das autoridades estatais em relação às falhas e omissões durante o trâmite do processo penal, à violação da garantia do prazo razoável e à violação do direito à verdade (pars. 71 e 77 supra).
87. A Corte considera que não é apropriado ordenar ao Estado a reabertura das investigações penais sobre os fatos relacionados ao homicídio de Manoel Luiz da Silva. Sem prejuízo do exposto, o sofrimento causado às vítimas deste caso em razão da impunidade decorrente da falta de devida diligência na coleta das provas necessárias para esclarecer o ocorrido, bem como o particular efeito negativo da impunidade prolongada sobre os familiares do senhor da Silva, serão considerados na seção de indenizações.
C. Medidas de reabilitação
88. A Comissão solicitou que a Corte ordene ao Estado oferecer as medidas de atenção de saúde física e mental necessárias para a reabilitação dos familiares de Manoel Luiz da Silva, caso estes assim o desejem.
89. Os representantes reconheceram que o Estado já havia começado a oferecer assistência de saúde física e mental à senhora Josefa Maria da Conceição, como parte de seu esforço para cumprir as recomendações contidas no Relatório de Mérito da Comissão.
103 Cf. Caso Sales Pimenta Vs. Brasil. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 30 de junho de 2022. Série C Nº 454, par. 143.
Nesse sentido, solicitaram que o Estado garanta a continuidade dessa iniciativa e que possa nela incluir o senhor Manoel Adelino. Ressaltaram que essa medida possui especial importância, pois a esposa da vítima, Edileuza Adelino de Lima, faleceu em razão da falta de atendimento estatal à sua saúde.
90. O Estado indicou que, desde que os familiares da vítima foram localizados, o então Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos (MMFDH) instaurou um diálogo com a Secretaria de Estado do Desenvolvimento Humano da Paraíba (SEDH/PB) para implementar, entre outras medidas, o oferecimento de assistência social a essas pessoas. Nesse mesmo sentido, afirmou que a SEDH/PB e o MMFDH mantêm contato direto com a senhora Josefa, com a senhora Any (nora da senhora Josefa, com quem ela reside) e com o senhor Manoel Adelino, que informou não necessitar desse atendimento. Afirmaram que a senhora Josefa foi integrada à rede de saúde e de assistência social e que os órgãos competentes lhe proporcionam atenção integral. Em suas alegações finais, o Estado declarou que a senhora Josefa tem sido acompanhada regularmente tanto pela equipe de Saúde da Família da região onde reside quanto por um assistente social e um psicólogo de seu município, comprometendo-se a cumprir a futura sentença.
91. À luz do reconhecimento parcial de responsabilidade internacional realizado pelo Estado e das provas constantes dos autos, a Corte declarou a violação da integridade pessoal dos familiares de Manoel Luiz da Silva (par. 24 supra). Esta Corte avalia positivamente a prestação de assistência social e de atenção de saúde física e mental que o Estado tem oferecido à senhora Josefa Maria da Conceição. Contudo, entende ser pertinente ordenar que o Estado ofereça tratamento médico, psicológico e/ou psiquiátrico à senhora Josefa Maria da Conceição e ao senhor Manoel Adelino de Lima, caso assim o requeiram.
92. O tratamento deverá ser prestado de forma gratuita, prioritária, adequada e efetiva por meio de instituições estatais de saúde especializadas. Em particular, o tratamento psicológico ou psiquiátrico deve ser oferecido por pessoal e instituições estatais especializadas no atendimento a vítimas de fatos como os ocorridos no presente caso. Caso o Estado não possua o pessoal ou as instituições que possam prover o nível requerido de atendimento, deverá recorrer a instituições especializadas privadas ou da sociedade civil. Ao fornecer esse tratamento, devem ser consideradas, ainda, as circunstâncias e necessidades particulares de cada vítima, de modo que sejam oferecidos tratamentos familiares e individuais, conforme o que seja acordado com cada uma delas, após uma avaliação individual.104 O tratamento deverá ser prestado, na medida possível, nos centros mais próximos dos seus locais de residência e incluir o fornecimento dos medicamentos que eventualmente forem necessários.105 Caso não existam centros de atendimento próximos, os custos relacionados ao transporte e à alimentação deverão ser cobertos pelo Estado.106
93. As vítimas dispõem de um prazo de 18 meses, contado a partir da notificação da presente Sentença, para confirmar ao Estado sua intenção de receber atendimento médico, psicológico e/ou psiquiátrico. Por sua vez, o Estado terá um prazo máximo de
104 Cf. 19 Comerciantes Vs. Colômbia. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 5 de julho de 2004. Série C Nº 109, par. 278, e Caso Pérez Lucas e outros Vs. Guatemala. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 4 de setembro de 2024. Série C Nº 536, par. 209.
105 Cf. Caso do Massacre de Las Dos Erres Vs. Guatemala, supra, par. 270, e Caso Leite de Souza e outros Vs. Brasil, supra, par. 219.
106 Cf. Caso dos Empregados da Fábrica de Fogos de Santo Antônio de Jesus e seus familiares Vs. Brasil, supra, par. 272, e Caso Leite de Souza e outros Vs. Brasil, supra, par. 219.
seis meses, contado a partir do recebimento dessa solicitação, para começar a fornecer de forma efetiva o atendimento requerido. Em qualquer caso, sem prejuízo dos prazos estabelecidos, o Estado deverá cumprir a medida ordenada com a máxima celeridade possível. Se as pessoas beneficiárias não comunicarem, dentro do prazo estabelecido, sua intenção de receber o atendimento médico, psicológico e/ou psiquiátrico, o Estado ficará isento de fornecê-lo.
D. Medidas de satisfação
94. A Comissão solicitou que a Corte ordene as medidas para reparar integralmente os danos materiais e imateriais decorrentes das violações dos direitos humanos declaradas no Relatório de Mérito, incluindo medidas de satisfação.
95. Os representantes solicitaram que a Corte ordene ao Estado publicar a sentença, considerando o modelo vigente de publicação do resumo oficial em diversos meios de comunicação impressos e digitais adequados ao caso, ao invés de publicar trechos ou a sentença completa no Diário Oficial e em outro jornal de circulação nacional. Além disso, solicitaram que seja ordenada a realização de um ato de reconhecimento de responsabilidade internacional, a ser acordado com as vítimas e seus representantes, no acampamento onde vivia a suposta vítima, caso os atuais residentes assim o desejem.
96. O Estado, na audiência pública e em suas alegações finais, pediu “sinceras desculpas” aos familiares do senhor Manoel Luiz da Silva e comprometeu-se a cumprir devidamente a futura sentença.
D.1. Publicação da Sentença
97. Tal como foi feito em outros casos,107 a Corte determina que o Estado publique, no prazo de seis meses, contado a partir da notificação desta Sentença, em um tamanho de letra legível e adequado: a) o resumo oficial da Sentença elaborado pela Corte, uma única vez, no Diário Oficial da União e no Diário Oficial do Estado da Paraíba; b) a presente Sentença em sua integralidade, disponível por um período de um ano nas páginas web do Governo Federal, do Ministério Público e do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, de forma acessível ao público; e c) difundir a Sentença nas contas oficiais das redes sociais do Governo Federal, do Governo e do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Ademais, o Estado deverá elaborar um vídeo institucional de um minuto para ser divulgado nas redes sociais do Governo Federal, do Governo e do Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba, narrando os pontos resolutivos da presente Sentença. As publicações nas redes sociais deverão indicar que a Corte Interamericana proferiu Sentença no presente caso, declarando a responsabilidade internacional do Estado, bem como incluir o link através do qual se pode acessar diretamente o texto completo da mesma. Além disso, essas publicações deverão ser realizadas pelo menos cinco vezes por cada instituição, em horário comercial, e permanecer publicadas em seus perfis nas redes sociais. O Estado deverá informar de forma imediata a esta Corte assim que proceder à realização de cada uma das publicações aqui ordenadas, independentemente do prazo de um ano para apresentar seu primeiro relatório, conforme indicado no ponto resolutivo 13 desta Sentença.
D.2. Ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional e de desculpas públicas
107 Cf. Caso Canales Huapaya e outros Vs. Peru. Exceções. Preliminares, Mérito, Reparações e Custas.
Sentença de 24 de junho de 2015. Série C Nº 296, par. 152; Caso Cuéllar Sandoval e outros, supra, par. 139.
98. Esta Corte valoriza as desculpas expressadas pelo Estado durante a audiência pública do presente caso e em suas alegações finais. Não obstante, observa que tais ações não abrangem a totalidade das violações declaradas nesta Sentença. Ademais, é preciso levar em consideração o contexto de violência contra trabalhadores rurais e a impunidade no qual ocorreram as violações declaradas na presente Sentença. Por conseguinte, com o intuito de reparar o dano causado às vítimas e evitar que fatos semelhantes aos deste caso se repitam, a Corte ordena ao Estado realizar um ato público de reconhecimento da responsabilidade internacional e de desculpas públicas em relação a todas as violações declaradas no presente caso, no prazo de um ano a contar da notificação da presente Sentença. Nesse ato, deverá ser feita referência aos fatos e às violações estabelecidas nesta Sentença. O Estado deverá assegurar a participação das vítimas e convidar para o evento seus representantes, tanto em instâncias nacionais como internacionais. O Estado e as vítimas e/ou seus representantes deverão acordar a modalidade de cumprimento do ato público, bem como as particularidades necessárias, tais como o local e a data para sua realização. Além disso, o Estado deverá divulgar o referido ato da forma mais ampla possível por meio dos meios de comunicação, incluindo a divulgação por rádio, televisão e redes sociais do Governo Federal e do Estado da Paraíba. As autoridades estatais que deverão estar presentes ou participar do ato deverão ser altos funcionários do Estado.
E. Garantias de não repetição
99. A Comissão solicitou que a Corte ordene ao Estado adotar todas as medidas jurídicas, administrativas e de outra natureza necessárias para enfrentar a situação de violência no setor rural do Estado do Brasil, decorrente dos conflitos fundiários. Em particular, requereu que o Estado realize um diagnóstico dessa situação, abordando de forma eficaz e completa as suas causas estruturais. Nesse sentido, em consonância com o indicado na declaração escrita do perito Diego Augusto Diehl, pediu a criação de um banco de dados atualizado sobre os conflitos no campo para implementar políticas nacionais de monitoramento de investigações preliminares e de processos judiciais relacionados a crimes que se configuram como atentados aos direitos das pessoas trabalhadoras rurais. Além disso, afirmou que é responsabilidade do Estado reforçar a sua capacidade de investigar esse tipo de crimes, assegurando o acesso a todos os meios necessários para esclarecê-los adequadamente e revelar as estruturas de poder que permitem sua continuidade. Dessa forma, requereu que se ordene a adoção de protocolos de investigação de mortes violentas contra pessoas trabalhadoras rurais, de acordo com os padrões interamericanos, bem como a realização de capacitações e treinamentos periódicos para as autoridades policiais, judiciais e do Ministério Público que atuam nesses casos.
100. Os representantes sugeriram que uma garantia de não repetição relevante seria a criação de uma política de serviços que transcenda a dimensão individual, e se dirija a grupos e comunidades impactados pela morte ou por outra forma de violência contra seus membros, no contexto da luta pela terra. Nesse sentido, solicitaram que a Comissão Estadual para a Prevenção da Violência no Campo e na Cidade seja objeto de uma ampla reformulação, com a participação da sociedade civil organizada e de organizações de direitos humanos, garantindo que uma equipe técnica multidisciplinar possa acompanhar os casos de violência e prevenir novos incidentes. Ademais, solicitaram que o Estado, por meio do Ministério da Justiça, promova políticas públicas destinadas a combater a impunidade e a garantir o acesso à justiça dos camponeses no Brasil, promovendo uma gestão ampla e uma investigação penal criteriosa dos delitos cometidos contra os camponeses e suas organizações.
101. Em suas alegações finais, os representantes afirmaram que a garantia de não repetição solicitada pela Comissão – consistente na realização de um diagnóstico sobre a violência no campo brasileiro e na adoção de medidas legislativas, administrativas e de outra natureza a partir desse diagnóstico, além de fortalecer a capacidade investigativa para esses crimes, assegurando que se disponha de todos os meios necessários para esclarecê-los – é compatível e complementar às medidas solicitadas pelos próprios representantes. Ademais, afirmaram que o laudo pericial de Diego Augusto Diehl detalha essa medida, sugerindo a criação de uma base de dados atualizada sobre os conflitos agrários, a implementação de um protocolo de atuação para as forças de segurança em casos de conflitos no campo, a determinação de desarticular os grupos armados dedicados a promover despejos forçados e execuções sumárias no campo, e a implementação de políticas nacionais de monitoramento de investigações preliminares e de processos judiciais relacionados com atentados graves aos direitos humanos das pessoas trabalhadoras rurais.
102. O Estado solicitou que se considere desenvolver parâmetros gerais, objetivos e razoáveis para determinar as medidas de não repetição, os quais não devem se basear em meras percepções da Comissão ou dos representantes, mas em evidências claras de violações verdadeiramente sistêmicas. Além disso, acrescentou que a Corte deve observar a margem de ação política para a construção de políticas públicas, de modo que não sejam impostas escolhas de caráter político às autoridades nacionais, legitimamente sujeitas às controvérsias próprias do regime democrático. Em atenção a isso, solicitou à Corte que observe as sentenças que reconhecem a margem de apreciação nacional para determinar reformas legislativas. O Estado também alegou que a extensa lista de medidas solicitadas pelos representantes foi formulada sem a devida justificativa e sem os detalhes necessários, estando, em sua maior parte, desconectadas da plataforma fática do presente caso. Em virtude de seu caráter excessivamente amplo, da falta de justificativa e da ausência de sustentação em argumentos de fato e de direito, o Estado solicitou que essa lista de medidas não fosse considerada pela Corte. Adicionalmente, o Estado apontou a existência de diversas ações e políticas públicas relevantes e eficazes relacionadas à temática do caso sub judice, que já teriam sido implementadas em âmbito nacional.
103. Especificamente no que se refere ao caso, o Estado recordou a criação do Projeto de Assentamento Novo Taipú, em homenagem à vítima Manoel Luiz da Silva, declarado de interesse para fins de reforma agrária em 19 de agosto de 1997. O Estado informou que 60 famílias de camponeses passaram a viver no assentamento em 18 de dezembro de 1998 e que investiu R$361.250,00 para a implementação, construção de habitações, apoio inicial, fomento à mulher e recuperação de materiais de construção nesse projeto de assentamento.
104. O Estado ressaltou que adotou diversas medidas eficazes para democratizar o acesso à terra e para combater a violência no campo e a impunidade, e que muitas das reparações solicitadas já estão em andamento.108 Além disso, afirmou que está atuando
108 Como exemplo, citou o Programa Nacional de Reforma Agrária – PNRA –, ao qual foram incorporadas 50,6 mil famílias em 2023. Além disso, 15.112 famílias residentes em áreas de assentamentos, que não estavam incluídas na Relação de Beneficiários do INCRA, foram reconhecidas em projetos de assentamentos, e outras 24.365 famílias, que constavam na Relação de Beneficiários do INCRA mas haviam sido questionadas em ação judicial do Tribunal de Contas da União, foram regularizadas. Foram criados 21 novos assentamentos e emitidos 6.951 títulos definitivos de projetos de assentamento e terras públicas. Além disso, informou que, também em 2023, ocorreu a recuperação de 32 mil hectares de terras da União, que serão transformadas em assentamentos – feito que foi possível graças à reativação da Câmara Técnica de Destinação e Regularização
para prevenir e mediar os conflitos rurais, destacando a atuação da Câmara de Conciliação Agrária, que tem realizado o diálogo com a administração pública e os produtores rurais, em conjunto com os trabalhadores rurais, movimentos sociais e organizações. Destacou também a criação da Comissão Nacional de Luta contra a Violência no Campo e do Sistema de Controle de Tensões e Conflitos Agrários do INCRA, bem como, em âmbito estadual, a criação da Comissão Estadual de Prevenção da Violência no Campo e na Cidade da Paraíba e, no âmbito do Poder Judiciário Estadual, da Comissão de Soluções de Conflitos Agrários.109
105. Além disso, o Estado mencionou o desenvolvimento de projetos do Ministério da Justiça e Segurança Pública para o aprimoramento da capacidade de investigação e dos órgãos de perícia, com especial atenção à segurança pública nas áreas rurais, bem como o desenvolvimento de diversas medidas e programas para melhorar a investigação de fatos delituosos.110 Ressaltou, ainda, que adotou várias ações para promover o acesso à justiça em relação a atos de violência na área rural e a conflitos fundiários.111
106. Finalmente, o Estado argumentou que a temática de violência e impunidade dos crimes cometidos no campo brasileiro foi conhecida no Caso Sales Pimenta Vs. Brasil, no qual a Corte condenou o Estado e determinou a criação, por meio do Conselho Nacional de Justiça, de um grupo de trabalho composto por especialistas para estudar as causas e circunstâncias que provocam a impunidade estrutural no campo e elaborar linhas de ação para sua superação. Segundo o Estado, o grupo de trabalho foi instituído em novembro de 2023 e as medidas de diagnóstico estão em andamento.
de Terras Públicas Federais Rurais – e o registro de 11.805 famílias acampadas em 7 estados e no Distrito Federal. O Estado ressaltou que concede crédito para a instalação dos beneficiários da reforma agrária nos assentamentos, afirmando que, em 2023, 16.273 famílias tiveram acesso a essa modalidade de crédito.
109 Também destacou as atividades da Coordenação Geral de Prevenção de Conflitos no Campo e na Cidade, da Direção de Promoção de Acesso à Justiça do Ministério da Justiça e Segurança Pública e da Secretaria de Acesso à Justiça, que propôs em 2023 a elaboração de uma Política de Prevenção de Conflitos, com o objetivo de implementar medidas de não repetição, construídas com a participação de ministérios, do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Defensoria e de movimentos e organizações da sociedade civil. O resultado foi a redação de um decreto, atualmente em discussão, que prevê a criação de uma Comissão Interministerial e de uma Política de Prevenção de Conflitos.
110 Como exemplo, citou as seguintes medidas: a) a criação do Sistema Nacional de Análise Balística (SINAB), instituído pelo Decreto nº 10.711/2021, para integrar as unidades da Federação e a Polícia Federal em um sistema único de análise dos elementos da munição de armas de fogo e para armazená-los no Banco Nacional de Perfis Balísticos; b) a iniciativa de fortalecimento da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos (RIBPG), que tem como objetivo a ampliação do Banco Nacional de Perfis Genéticos (BNPG); c) o projeto Cadeia de Custódia, que busca implementar ações estruturais alinhadas à Lei nº 13.964/2019, de modo que haja a certificação da origem dos vestígios criminais analisados, alcançando níveis de confiança e excelência nos exames periciais realizados, a fim de garantir a inviolabilidade, confiabilidade e imparcialidade da prova pericial;
d) o Projeto EquipaSUSP, que promoveu a compra de drones para as instituições de segurança pública; e) o Projeto de Ampliação da Capacidade Investigativa de Homicídios pelas Unidades Especializadas, que visa intensificar a eficácia investigativa em casos de homicídios; f) o Projeto de Qualificação da Investigação de Mortes Violentas Intencionais por Unidades Especializadas, com o objetivo de aumentar a taxa de esclarecimento de mortes violentas intencionais em âmbito nacional, contando com a ação integrada dos poderes executivos (federal, estadual e municipal), do Poder Judiciário, do Ministério Público, bem como das organizações da sociedade civil (OSC), organizações não governamentais e da sociedade em geral; g) o Programa Nacional de Inovação Organizacional em Segurança Pública, cujo principal objetivo é melhorar os serviços prestados à população por meio do fortalecimento institucional das entidades de segurança, com inovações tecnológicas e metodológicas, como, por exemplo, o uso de câmaras corporais.
111 Entre as ações para a promoção do acesso à justiça, destacou as seguintes: a) projetos de Clínicas de Acesso à Justiça; b) o fortalecimento da atuação das Defensorias Públicas dos Estados e da União c) a institucionalização da Política Nacional de Prevenção da Violência em Conflitos no Campo e na Cidade; e d) a ampliação dos projetos e planos já institucionalizados, como o Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania (PRONASCI) e o Programa Nacional de Enfrentamento às Organizações Criminosas (Programa ENFOC).
E.1. Realização de um diagnóstico sobre violência contra pessoas trabalhadoras rurais no estado da Paraíba
107. A Corte toma nota do que foi manifestado pelo Estado acerca das ações implementadas para prevenir os conflitos agrários e rurais, e valoriza essas iniciativas positivamente (par. 104 supra). Não obstante, este Tribunal adverte que as circunstâncias que envolveram o homicídio do senhor da Silva se fundamentaram em uma situação de violência estrutural em áreas rurais do Brasil, especificamente no estado da Paraíba (pars. 37 e 38 supra). Ademais, esta Corte leva em consideração que o perito Diego Augusto Diehl afirmou que, como mecanismo para prevenir assassinatos e outros atos de violência contra trabalhadores do campo, deve ser estabelecido um banco de dados atualizado sobre conflitos agrários no Brasil.112
108. É importante diferenciar que, em outras ocasiões,113 esta Corte ordenou ao Estado do Brasil a realização de diagnósticos sobre a situação de violência no campo, mas focados nas pessoas defensoras dos direitos dos trabalhadores rurais. No entanto, considerando que a violência gerada pelo conflito fundiário também tem consequências para todas as pessoas que trabalham no ambiente rural, mesmo sem exercer um papel de liderança ou autoridade nas mobilizações, torna-se necessária a realização de um estudo sobre a violência contra os trabalhadores do campo, especificamente no Estado da Paraíba.
109. Por esse motivo, a Corte ordena ao Estado que elabore e implemente, no prazo de dois anos, por meio do órgão estatal competente, um sistema regional específico para o Estado da Paraíba para a coleta de dados e estatísticas relativas a casos de violência contra pessoas trabalhadoras rurais, com o objetivo de avaliar de forma precisa e uniforme o tipo, a prevalência, as tendências e os padrões da referida violência, desagregando os dados por estado, origem étnica, militância, gênero e idade. Ademais, deverá ser especificada a quantidade de casos que foram efetivamente judicializados, identificando o número de acusações, condenações e absolvições. Essas informações deverão ser divulgadas anualmente pelo governo do Estado da Paraíba, garantindo seu acesso à população em geral, e deverá ser assegurada a reserva de identidade das vítimas. Para esse fim, o Estado deverá apresentar a esta Corte um relatório anual, pelo prazo de cinco anos a contar da implementação do sistema de coleta de dados, indicando as ações que foram realizadas para esse propósito.
F. Outras medidas de reparação solicitadas
110. A Corte considera que o proferimento da presente sentença, bem como as demais medidas ordenadas, são suficientes e adequadas para remediar as violações sofridas pelas vítimas. Dessa forma, não considera necessário ordenar medidas adicionais solicitadas pelos representantes.114
112 Cf. Laudo pericial de Diego Augusto Diehl de 29 de janeiro de 2024 (expediente de provas, folha 1785).
113 Cf. Caso Sales Pimenta Vs. Brasil, supra, par. 178.
114 A Comissão solicitou que seja ordenada a adoção de protocolos de investigação de mortes violentas contra pessoas trabalhadoras rurais, de acordo com os padrões interamericanos. Os representantes, por sua vez, requereram que seja ordenado ao Estado a implementação de um projeto para a reestruturação e o aprimoramento do Assentamento Manoel Luiz. A partir das dificuldades descritas pelos trabalhadores rurais, sugeriram que seja dada especial atenção a: a) as condições de acesso ao assentamento (construção de pontes sobre o rio e melhoria dos caminhos); b) a garantia de acesso à água potável e à produção em quantidade e qualidade suficientes durante todo o ano; c) a construção de um centro de saúde; d) a construção de uma creche; e) remodelações das casas existentes e a possível construção de novas habitações; e f) a reforma da
G. Indenizações compensatórias
111. A Comissão solicitou que a Corte ordene ao Estado medidas de compensação econômica para as vítimas e sublinhou que, até a presente data, elas não receberam nenhum tipo de indenização.
112. Os representantes argumentaram que é possível identificar danos imateriais em relação aos familiares de Manoel Luiz da Silva. Ademais, destacaram que existe um dano moral reparável em relação a Josefa Maria da Conceição (mãe), a Manoel Adelino de Lima (filho) e a Edileuza Adelino de Lima (esposa). Considerando o falecimento de Edileuza e, sendo Manoel Adelino de Lima seu único filho, pediram que seja concedida a ele o valor da indenização que teria sido devida à sua mãe. Além disso, assinalaram que deve ser considerado o estado psicológico da esposa de Manoel Luiz da Silva após o seu homicídio, que levou à sua morte e à do seu filho de nove meses. Quanto aos danos emergentes, apontaram que a quantificação feita por esta Corte deve levar em consideração o deslocamento de Manoel Adelino e de sua mãe para outro local após a morte de Manoel Luiz. Por fim, indicaram que não solicitam uma indenização por lucros cessantes, uma vez que o falecimento da vítima se encontra fora da jurisdição contenciosa deste tribunal. Por outro lado, solicitam indenização pelos gastos em que seus familiares incorreram em consequência da falta de proteção e assistência prestadas pelo Estado.
113. O Estado informou que, em cumprimento às recomendações da Comissão em matéria de reparação material e simbólica emitidas no Relatório de Mérito, encontra-se em trâmite o Processo Administrativo Nº SEG-PRC2021/01418, no âmbito do Governo da Paraíba, que trata do pagamento de uma indenização à mãe do senhor Manoel Luiz
“casa grande” para que funcione como uma instalação comunitária. Além disso, solicitaram o seguinte: a) que o Estado promova políticas públicas destinadas à preservação da memória camponesa, por meio do fomento de pesquisas focadas na recuperação, análise e registro de documentos e coleções, bem como programas de pesquisa sobre temas relacionados ao direito à memória e à verdade, especialmente acerca das graves violações de direitos humanos ocorridas no campo, e à inclusão desses temas no currículo da Educação Básica;
b) que seja incentivada a criação de monumentos, centros de informação e museus, bem como a preservação dos espaços públicos que constituem “lugares de memória” das lutas no campo e dos camponeses; c) que seja garantido o acesso a documentos e provas que permitam determinar as violações dos direitos humanos contra os camponeses; d) que o Estado cumpra integralmente as diretrizes do “Plano Nacional de Combate à Violência no Campo” e do “II Plano Nacional de Combate ao Trabalho Escravo”; e) que o Estado assegure visibilidade à história e à memória das violações de direitos humanos contra os camponeses, adotando medidas que reconheçam e divulguem “a perspectiva dos/as perseguidos/as e torturados/as”; f) que o Estado reconheça e promova definitivamente os “Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos” (2011) das Nações Unidas, garantindo a proteção aos camponeses e, principalmente, que investigue os crimes cometidos por agentes privados no campo; g) que o Estado, por meio dos instrumentos jurídicos disponíveis em seu Sistema de Justiça, proceda à federalização judicial dos casos de graves violações de direitos humanos ocorridos no campo; h) que o Estado cumpra integralmente a Sentença da Corte relativa ao caso Gomes Lund e outros (Guerrilha do Araguaia) Vs. Brasil, além de promover a formação de profissionais militares e de segurança pública por meio de programas de educação em direitos humanos; i) que seja ampliada e consolidada uma política de enfrentamento à grilagem de terras públicas, com a reintegração das terras indevidamente apropriadas e sua destinação para fins da Reforma Agrária; j) que seja tornada obrigatória a consulta ao Ministério Público em casos de conflitos territoriais, garantindo o cumprimento do artigo 126 da Constituição Federal de 1988, que prevê que o juiz deve se deslocar ao local do litígio quando necessário; k) que o Estado cumpra integralmente o disposto nos artigos 37 a 39 da Lei nº 11.977, de 7 de julho de 2009, que determina o estabelecimento de um sistema de registro eletrônico e a digitalização de todos os atos registrais realizados desde a entrada em vigor da Lei nº 6.015, de 31 de dezembro de 1973 (Registros Públicos), garantindo a disponibilidade pública dessas informações; l) que o Estado promova a criação, no âmbito dos tribunais internos, de câmaras especiais destinadas a temas agroambientais, considerando a complexidade das normas e da jurisprudência relativa a tais conflitos; e m) que o Estado garanta os direitos das populações que vivem no campo, como o direito à moradia, à educação e à alimentação adequada, de acordo com as diretrizes do Programa Nacional de Direitos Humanos III.
da Silva e ao seu filho. Em suas alegações finais, o Estado comprometeu-se a cumprir a futura sentença.
114. A Corte desenvolveu em sua jurisprudência o conceito de dano material e estabeleceu que pressupõe a perda ou redução da renda das vítimas, os gastos efetuados em razão dos fatos e as consequências de natureza pecuniária que tenham nexo causal com os fatos do caso. 115 Além disso, a jurisprudência tem reiterado o caráter estritamente compensatório das indenizações, cuja natureza e montante dependem do dano causado, de forma que não podem representar enriquecimento ou empobrecimento para as vítimas ou seus sucessores.116 Quanto ao dano imaterial, a Corte estabeleceu em sua jurisprudência que este pode compreender tanto os sofrimentos e as aflições causados pela violação, como o menosprezo de valores muito significativos para as pessoas, assim como as alterações, de caráter não pecuniário, nas condições de existência das vítimas ou de sua família. Por outro lado, dado que não é possível atribuir ao dano imaterial um equivalente monetário preciso, apenas pode ser objeto de compensação, para os fins da reparação integral à vítima, mediante o pagamento de uma quantia de dinheiro ou a entrega de bens ou serviços determináveis em dinheiro, que o Tribunal determine em aplicação razoável do arbítrio judicial e em equidade.117
115. A Corte reconhece e avalia positivamente os esforços realizados pelo Brasil para cumprir o seu dever de reparar no presente caso, tendo iniciado o procedimento administrativo identificado como Nº SEG-PRC2021/01418 pelo Governo da Paraíba, com a finalidade de conceder uma indenização a Josefa Maria da Conceição e a Manoel Adelino de Lima. No entanto, é importante precisar que esse procedimento não foi acompanhado de um documento que comprovasse a assertiva realizada nem do montante pelo qual as vítimas seriam indenizadas.
116. Embora as reparações ordenadas no âmbito interno possam ser consideradas no momento de estimar os valores correspondentes às indenizações do presente caso, é preciso advertir que estas não correspondem à totalidade das violações declaradas na presente Sentença. Portanto, o Tribunal deixa registrado que as indenizações a serem ordenadas (par. 117 infra) são complementares àquelas já concedidas no âmbito interno por danos morais e materiais. Em razão de todo o exposto acima, o Tribunal procede a ordenar indenizações compensatórias de acordo com os critérios desenvolvidos por esta jurisdição interamericana.
117. Atendendo aos critérios estabelecidos na jurisprudência consolidada deste Tribunal, às circunstâncias do presente caso, à intensidade, ao caráter e à gravidade das violações cometidas, aos danos emergentes e aos decorrentes da impunidade da morte do senhor da Silva, bem como à impossibilidade de reabrir a investigação sobre os fatos e aos sofrimentos causados às vítimas em sua esfera moral e psicológica, a Corte considera pertinente fixar, em equidade, por conceito de dano material e imaterial, a quantia de USD$ 20.000 (vinte mil dólares dos Estados Unidos da América) para cada um dos seguintes familiares: Josefa Maria da Conceição (mãe), Manoel Adelino de Lima (filho) e
115 Cf. Caso Bámaca Velásquez Vs. Guatemala. Reparações e Custas. Sentença de 22 de fevereiro de 2002. Série C Nº 91, par. 43, e Caso Beatriz e outros Vs. El Salvador. Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 22 de novembro de 2024. Série C Nº 549, par. 225.
116 Cf. Caso da "Panel Blanca" (Paniagua Morales e outros) Vs. Guatemala. Reparações e Custas. Sentença de 25 de maio de 2001. Série C Nº 76, par. 79, e Caso Pérez Lucas e outros Vs. Guatemala, supra, par. 259.
117 Cf. Caso das “Crianças de Rua” (Villagrán Morales e outros) Vs. Guatemala, supra, par. 84, e Caso Beatriz e outros Vs. El Salvador, supra, par. 225.
Edileuza Adelino de Lima (esposa). Em virtude do falecimento da senhora Edileuza Adelino de Lima, a sua parte deverá ser paga ao seu filho, Manoel Adelino de Lima.
H. Custas e gastos
118. A Comissão se referiu ao pagamento de eventuais custas e gastos.
119. Os representantes solicitaram que a Corte ordene ao Estado o pagamento das custas, tendo em conta os aproximadamente 18 anos e meio de trâmite do presente caso e os gastos incorridos para viabilizar o litígio, como as recentes visitas realizadas pelos representantes para coletar informações.
120. O Estado pediu à Corte que as custas e gastos sejam ordenados apenas se for declarada a responsabilidade internacional do Estado, e que, para o seu cálculo, sejam considerados os parâmetros de sua jurisprudência, levando em conta como custas apenas os valores razoáveis, devidamente comprovados e necessários para a atuação dos representantes perante o Sistema Interamericano, considerando a documentação de suporte, a relação direta das reivindicações com o caso concreto e as circunstâncias do mesmo.
121. A Corte reitera que, conforme sua jurisprudência,118 as custas e gastos formam parte do conceito de reparação, uma vez que as atividades realizadas pelas vítimas com o fim de obter justiça, tanto no âmbito nacional como internacional, implicam gastos que devem ser compensados quando a responsabilidade internacional do Estado é declarada mediante uma Sentença condenatória. Quanto ao reembolso das custas e gastos, corresponde ao Tribunal apreciar prudentemente o seu alcance, o qual compreende os gastos gerados perante as autoridades da jurisdição interna, bem como aqueles gerados no curso do processo perante o Sistema Interamericano, levando em consideração as circunstâncias do caso concreto e a natureza da jurisdição internacional de proteção dos direitos humanos. Essa apreciação pode ser realizada com base no princípio de equidade e levando em conta os gastos indicados pelas partes, sempre que seu quantum seja razoável.119
122. As pretensões das vítimas ou de seus representantes em matéria de custas e gastos, e as provas que as sustentam, devem ser apresentadas à Corte no primeiro momento processual que a eles se concede, isto é, no escrito de solicitações e argumentos, sem prejuízo de que essas pretensões se atualizem, em momento posterior, conforme as novas custas e gastos em que se tenha incorrido por ocasião do procedimento perante esta Corte. Além disso, a Corte reitera que não é suficiente o envio de documentos probatórios, mas que é necessário que as partes formulem uma argumentação que relacione a prova ao fato que se considera representado, e que, ao se tratar de alegados desembolsos econômicos, sejam estabelecidos com clareza os objetos de despesa e sua justificação.120
118 Cf. Caso Garrido e Baigorria Vs. Argentina. Reparações e Custas. Sentença de 27 de agosto de 1998. Série C Nº 39, par. 82, e Caso Beatriz e outros Vs. El Salvador, supra, par. 231.
119 Cf. Caso Garrido e Baigorria Vs. Argentina, supra, par. 82, e Caso Beatriz e outros Vs. El Salvador, supra, par. 231.
120 Cf. Cf. Caso Chaparro Álvarez e Lapo Íñiguez Vs. Equador. Exceções Preliminares, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 21 de novembro de 2007. Série C Nº 170, par. 277, e Caso Capriles Vs. Venezuela, supra, par. 214.
123. No presente caso, apesar da ausência de suporte probatório suficiente acerca das despesas incorridas, a Corte parte da presunção de que, no trâmite do caso – tanto na jurisdição interna quanto no âmbito do litígio internacional – foram realizadas diversas despesas vinculadas aos gastos e custas dos processos, razão pela qual este Tribunal resolve ordenar, em equidade, o pagamento da quantia de USD$ 20.000,00 (vinte mil dólares dos Estados Unidos da América) a título de custas e gastos, a ser dividido entre os representantes das vítimas. Esse valor deverá ser entregue diretamente aos representantes. Na fase de supervisão do cumprimento da presente Sentença, a Corte poderá dispor ao Estado o reembolso às vítimas ou aos seus representantes de despesas posteriores que sejam razoáveis e devidamente comprovadas.121
I. Modalidade de cumprimento dos pagamentos ordenados
124. O Estado deverá realizar o pagamento das indenizações a título de dano material e imaterial e o reembolso das custas e gastos estabelecidos na presente Sentença diretamente às pessoas indicadas na mesma, dentro do prazo de um ano contado a partir da notificação da presente Sentença, sem prejuízo de que possa adiantar o pagamento completo em um prazo menor, nos termos dos parágrafos seguintes.
125. Caso a pessoa beneficiária tenha falecido ou venha a falecer antes de que lhe seja entregue a respectiva indenização, esta será paga diretamente a seus herdeiros, em conformidade com o direito interno aplicável.
126. O Estado deverá cumprir suas obrigações monetárias mediante o pagamento em dólares dos Estados Unidos da América ou seu equivalente em moeda nacional, utilizando para o respectivo cálculo o tipo de câmbio de mercado publicado ou calculado por uma autoridade bancária ou financeira pertinente, na data mais próxima ao dia do pagamento.
127. Caso, por motivos atribuíveis aos beneficiários das indenizações ou a seus sucessores não seja possível o pagamento das quantias determinadas dentro do prazo indicado, o Estado consignará esses montantes a seu favor em uma conta ou certificado de depósito em uma instituição financeira brasileira solvente, em dólares dos Estados Unidos da América, e nas condições financeiras mais favoráveis permitidas pela legislação e prática bancárias. Caso esse montante não seja reclamado depois de transcorridos dez anos, os valores serão devolvidos ao Estado com os juros auferidos. Caso o anterior não seja possível, o Estado deverá manter assegurada a disponibilidade dos fundos no âmbito interno pelo prazo de dez anos.
128. As quantias determinadas na presente Sentença como indenização por dano material e imaterial e custas e gastos deverão ser entregues às pessoas indicadas de forma integral, conforme estabelecido nesta Sentença, sem reduções decorrentes de eventuais ônus fiscais.
129. Caso o Estado incorra em mora, deverá pagar juros sobre o montante devido, correspondente ao juro bancário moratório na República Federativa do Brasil.
XI PONTOS RESOLUTIVOS
130. Portanto,
121 Cf. Caso López Lone e outros Vs. Honduras. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 5 de outubro de 2015. Série C Nº 302, par. 334, e Caso Beatriz e outros Vs. El Salvador, supra, par. 233.
A CORTE DECIDE,
Por unanimidade, que:
1. Aceitar o reconhecimento parcial de responsabilidade realizado pelo Estado do Brasil, nos termos dos parágrafos 16 a 25 da presente Sentença.
2. Rejeitar a exceção preliminar relativa à alegada incompetência ratione temporis, em conformidade com os parágrafos 30 a 31 desta Sentença.
DECLARA,
Por unanimidade, que:
3. O Estado é responsável pela violação da garantia do prazo razoável no processo penal iniciado em decorrência do homicídio do trabalhador rural Manoel Luiz da Silva, em violação dos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação ao seu artigo 1.1, em detrimento de Josefa Maria da Conceição, Manoel Adelino de Lima e Edileuza Adelino de Lima, conforme o reconhecimento de responsabilidade realizado pelo Estado, nos termos dos parágrafos 18 e 24 desta Sentença.
4. O Estado é responsável pela falta de devida diligência no processo penal iniciado em decorrência do homicídio de Manoel Luiz da Silva, em violação dos artigos 8.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação ao seu artigo 1.1, em detrimento de Josefa Maria da Conceição, Manoel Adelino de Lima e Edileuza Adelino de Lima, nos termos dos parágrafos 63 a 71 da presente Sentença.
5. O Estado é responsável pela violação do direito à verdade em detrimento de Josefa Maria da Conceição, Manoel Adelino de Lima e Edileuza Adelino de Lima, em violação dos artigos 8.1, 13.1 e 25.1 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em conformidade com os parágrafos 72 a 77 desta Sentença.
6. O Estado é responsável pela violação do direito à integridade pessoal, previsto no artigo 5.1 da Convenção Americana, em relação ao artigo 1.1 do mesmo instrumento, em detrimento de Josefa Maria da Conceição, Manoel Adelino de Lima e Edileuza Adelino de Lima, nos termos do reconhecimento de responsabilidade do Estado e em conformidade com os parágrafos 18 e 24 da presente Sentença.
E DISPÕE:
Por unanimidade, que:
7. Esta Sentença constitui per se uma forma de reparação.
8. O Estado oferecerá tratamento médico, psicológico e/ou psiquiátrico às vítimas que assim o requeiram, nos termos dos parágrafos 91 a 93 da presente Sentença.
9. O Estado realizará as publicações indicadas no parágrafo 97 da presente Sentença.
10. O Estado realizará um ato público de reconhecimento de responsabilidade
internacional em relação aos fatos e as violações declaradas no presente caso, em conformidade com o estabelecido no parágrafo 98 desta Sentença.
11. O Estado elaborará e implementará um sistema regional, específico para o estado da Paraíba, para a coleta de dados e estatísticas relativas a casos de violência contra pessoas trabalhadoras rurais, em conformidade com o estabelecido nos parágrafos 107 a 109 da presente Sentença.
12. O Estado pagará os valores determinados nos parágrafos 117 e 123 desta Sentença a título de indenização por dano material, imaterial e o reembolso de custas e gastos, nos termos dos parágrafos 124 a 129 desta Sentença.
13. O Estado, dentro do prazo de um ano contado a partir da notificação desta Sentença, apresentará ao Tribunal um relatório sobre as medidas adotadas para cumprir a mesma, sem prejuízo do estabelecido nos parágrafos 97 e 109.
14. A Corte supervisionará o cumprimento integral desta Sentença, no exercício de suas atribuições estabelecidas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, e dará por concluído o presente caso uma vez que o Estado tenha dado cabal cumprimento ao disposto na mesma.
Redigida em espanhol em San José, Costa Rica, 27 de novembro de 2024.
Corte IDH. Caso Da Silva e outros Vs. Brasil. Exceção Preliminar, Mérito, Reparações e Custas. Sentença de 27 de novembro de 2024. Sentença proferida em San José, Costa Rica.
Nancy Hernández López - Presidenta
Humberto A. Sierra Porto
Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot
Ricardo C. Pérez Manrique
Verónica Gómez
Patricia Pérez Goldberg
Pablo Saavedra Alessandri - Secretário
Comunique-se e execute-se,
Nancy Hernández López - Presidenta
Pablo Saavedra Alessandri - Secretário
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