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Publicado em: 08/05/2008 - 12h00 Tags: Geral, Legado

Íntegra do discurso de posse do juiz Carlos Sarmento como membro efetivo do TRE-PB





 

 
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DISCURSO DE POSSE DO JUIZ CARLOS ANTÔNIO SARMENTO COMO MEMBRO EFETIVO DO TRIBUNAL REGIONAL ELEITORAL DA PARAÍBA, EM 8 DE MAIO DE 2008
 
 
“Sonho com o dia em que
a justiça correrá como água
e a retidão como um caudaloso rio."
MARTIN LUTHER KING, JR. [1929-1968],
pastor, ativista político estadunidense,
Prêmio Nobel da Paz em 1964,
campeão dos direitos civis e da não-violência,
em seu discurso “Eu tenho um sonho”.
 
 
 
“Voltar é uma forma de renascer; ninguém se perde na volta” — já dizia o autor de A bagaceira, o ilustre paraibano José Américo de Almeida. Por meu turno, retorno a essa Corte de Justiça Eleitoral — para substituir o ilustre colega Carlos Lisboa — tomado da mesma emoção com que aqui me apresentei há cinco anos, a fim de cumprir meu primeiro biênio igualmente como seu membro efetivo, na cadeira de Juiz de Direito estadual.
 
Venho carregado dos mesmos propósitos pelos quais tenho pautado minha vida pessoal e profissional: procurando, acima de tudo, ser uma pessoa de valor, em vez de procurar ser um homem de sucesso, como nos ensinou o maior cientista do século XX, Albert Einstein.
 
O acontecimento que ora testemunhamos não chegue a representar registro isolado nos Anais desta Corte, eis que autoriza nossa Carta Política a recondução de membros para os TRE’s. E tem sido essa prática freqüentemente adotada nos demais Tribunais pátrios, inclusive no Tribunal Superior Eleitoral. No entanto, devo admitir que vivencio, neste instante, uma realidade até agora reservada a muitos poucos, em razão, principalmente, do invejável elenco de competentes juízes que ostentam os quadros do Judiciário paraibano.
 
Como não podia ser diferente, é mais esse sucesso motivo de grande contentamento para mim e para meus próximos, como certamente será sempre para todos quantos o destino lhes reserve a distinção de aqui poder ter assento.
 
Somente posso entender minha escolha — esse destemido gesto do Tribunal de Justiça de meu Estado, hoje sob o comando seguro, firme e eficiente do profícuo Desembargador Antônio de Pádua Lima Montenegro — sobretudo como um incentivo e um reconhecimento a quem se tem dedicado de corpo e alma à magistratura paraibana, lutando por seu prestígio, respeitabilidade e credibilidade — e também contra quem quer que ouse pensar em maculá-la, no intuito inconfessável de angariar proveitos pessoais.
 
Retomo esse posto ciente de que terei de conduzi-lo com obediência aos ditames das leis — mas também consciente, acima de tudo, de que aqui estarei a representar toda a Magistratura de meu Estado, a quem legitimamente o cargo pertence. É constatação bastante para demonstrar quão grande é a responsabilidade que me recai sobre os ombros. Espero poder corresponder à altura das expectativas, mais uma vez, como sempre confiante em Deus e amor que indubitavelmente devoto ao Direito, à Lei, ao ordenamento jurídico do País, enfim, à Justiça.
 
 
Para poupá-los do enfado, e a mim dos engasgos, peço vênia para apenas ratificar tudo quanto me foi permitido externar em meu anterior discurso de posse — palavras que já se acham incorporadas aos registros desta Corte Eleitoral. Estejam certos de que as crenças e o entusiasmo ali professados se mantêm muito acesos dentro de mim. Não me abalam os atropelos, as desilusões e as decepções por vezes experimentadas, porque tudo isto é próprio da convivência humana. É de tais percalços, inclusive, que muitas vezes podemos extrair grandes lições de vida. Errar faz parte da natureza dos seres humanos. Infalível mesmo, só Deus. Condenável, no entanto, é persistir nas faltas, ainda mais quando há nisto algum interesse subalterno.
 
Em mim, como em muitos de nós, o sentimento humanitário continua mais vivo que nunca — até porque, sem tal senso ou capacidade já não mais valeria a pena seguir adiante. Nesse sentido, importa que nos deixemos levar pela inspiração do Che, o Ernesto “Che” Guevara: “Há que endurecer, porém, sem jamais perder a ternura”.
 
No mais, trago na bagagem um pouco da experiência acumulada a cada instante vivido, embora ainda tenha muito que aprender. Aqui me apresento, portanto, Senhor Presidente e ilustres Pares, para somar, compartilhar e aprender, respeitando, acima de tudo, as naturais divergências de entendimento.
 
Sem falsa modéstia, estou pronto para ouvir — e também para falar.
 
Sinto-me no dever, porém, de professar, mesmo que repetidamente, a inabalável fé que tenho no Homem e na Justiça, ainda que por vezes ousem alguns renegá-la. Uns poucos o fazem, é bem verdade, de maneira despretensiosa e até desapercebidamente, o que é perdoável. Outros, porém, assim agem maliciosamente — e esses são os infelizes. Com muita precisão já sentenciava Sócrates, um dos mais éticos dentre os grandes filósofos que a Humanidade pôde conhecer: “É pior cometer uma injustiça do que sofrê-la, porque quem a comete transforma-se num injusto e quem a sofre, não”.
 
Dele, o insuperável Sócrates, ainda extraímos outro grande ensinamento: “Há quatro características que um juiz deve possuir: escutar com cortesia, responder sabiamente, ponderar com prudência e decidir imparcialmente”. Assim sejamos todos nós — nós, os que recebemos a árdua missão de julgar!
 
Como que impelido pelo destino, apreendi também muito cedo a arte de empunhar a bandeira da Democracia, certo de se tratar este regime de um dos mais preciosos valores da atualidade. Da Democracia dependem não apenas o Estado de Direito, mas igualmente o direito à liberdade, o direito à vida, o direito ao contraditório — enfim, tudo quanto diga respeito à dignidade da pessoa humana. Por ela, isto é, pela Democracia, muitos já se viram e/ou se acham impiedosamente condenados, das mais diversas formas. Não seria para menos! Como bem profetizou Ihering, em sua clássica obra A luta pelo Direito, “todas as grandes conquistas da História do Direito, como a abolição da escravatura e da servidão, a livre aquisição da propriedade territorial, a liberdade de profissão e de consciência, só puderam ser alcançadas através de séculos de lutas intensas e ininterruptas”.
 
Portanto, defender o regime democrático e aperfeiçoá-lo cada vez mais, constitui luta sem trégua — e é uma luta que não cabe somente a nós, magistrados e homens instruídos, mas a toda a população.
 
Bem disse o Professor-Doutor José Jairo Gomes, Procurador Regional Eleitoral em Minas Gerais, que o regime político firmado na democracia popular “[...] não se realiza sem que esteja implantado um sistema eleitoral confiável, dotado de técnicas seguras e instrumentos eficazes, aptos a captar com imparcialidade a vontade popular, de maneira a conferir segurança e legitimidade às eleições, aos mandatos e, pois, ao exercício da autoridade estatal”. [1]
 
Ouso dizer, no entanto, que somente isto não basta. A plena cidadania não se conquista apenas com o porte de um título eleitoral, nem mesmo votando-se ou sendo votado. Mais do que isso, indispensável se faz que nosso povo seja mais, melhor e eficazmente educado. Não há dúvidas de que uma Nação só é verdadeiramente independente quando todos os seus cidadãos têm acesso à Educação — à Educação de qualidade. Constitui esta a base para todo e qualquer desenvolvimento social e político que se preze. É a Educação, queiramos ou não, o que promove o crescimento econômico. Constituiu-se, portanto, numa das principais ferramentas para a diminuição das desigualdades, para a redução da criminalidade, para a promoção da Paz.
 
Contudo, ao olhar para o cenário atual da Educação em nosso sacrificado País, fica claro que estamos muito longe de tal conquista. A queda de 29,1% na taxa de analfabetismo, entre 1996 e 2006, não foi suficiente para tirar o Brasil do incômodo penúltimo lugar no ranking de alfabetização na América do Sul. Segundo dados recentemente divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o percentual de brasileiros que não sabem ler e escrever é inferior apenas ao da Bolívia, onde a taxa de analfabetismo foi de 11,7% em 2005.
 
Mais grave ainda é a situação do Nordeste, com o mais elevado índice de não-instruídos entre as cinco regiões do país. Em média, um em cada cinco nordestinos declarou que não sabe ler nem escrever um bilhete simples. Se fosse um país, o Nordeste teria o quinto pior desempenho em alfabetização da América Latina e do Caribe, à frente apenas de Honduras, Guatemala, Nicarágua e Haiti. Segundo dados de uma autarquia federal vinculada ao MEC, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacional “Anísio Teixeira” (INEP), hoje apenas 52% dos alunos que têm acesso ao Ensino Fundamental conseguem concluí-lo.
 
Por seu turno, o SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica), com dados de 2003, mostra que apenas 4,8% dos alunos da 4ª. série do Ensino Fundamental estão plenamente alfabetizados; 39,7% o estão apenas medianamente; e 55,5% deles não estão de forma alguma corretamente alfabetizados. Ou seja, a grande maioria dos estudantes brasileiros passa pelo Ensino Fundamental sem, ao menos, aprender a ler e/ou entender um texto, por simples que seja.
 
A conclusão, infelizmente, não podia ser outra: ou se muda urgentemente essa triste realidade ou estamos fadados a conviver eternamente com uma Nação dominada por atrasos de toda ordem; estamos condenados a continuar, permanentemente, com leis elaboradas quase sempre de cima para baixo, sob o calor da ocasião, ao sabor do oportunismo; mantido estará o patrocínio da desigualdade, da criminalidade, da injustiça, e da perturbação da paz social. Jamais deixarão de existir os aproveitadores de plantão. Ao Judiciário, como sempre acontece, sobrará à administração das mazelas sociais, ficando sujeito a incompreensões, quando não a ataques ferozes e infames, uns decorrentes da pura ignorância, outros tantos intencional e interessadamente forjados.
 
Indispensável se faz também manter-se o respeito à nossa Constituição da República, de modo especial por parte dos homens públicos. Tendo, não por acaso, merecido a titulação de “Constituição Cidadã”, o espírito desta nossa Carta Magna deve assegurar a concretização da tantas vezes declamada mas ainda mui esperada reforma política. Uma reforma política que se mostre realmente ampla e fincada sobretudo no respeito à Democracia e à soberania popular.
 
Ditas estas palavras genéricas mas indispensáveis, é hora de agradecer.
 
Agradecer primeiramente a Deus, a quem tudo devo e tudo ofereço; e que pelo seu Filho Amado, Jesus Cristo, tem me dito nos momentos em que pareço que me vou esvaecer: “Não temas! Eu estou contigo!” (Jr 1,8).
 
Agradecer ao Tribunal de Justiça do meu Estado, por mais esse crédito de confiança; e agradeço, de modo todo particular, aos que, tendo assumido os riscos das adversidades, próprias do regime democrático, decidiram investir na minha recondução para este Egrégio Colegiado. Vocês são sabedores de que resisti o quanto pude para que isso não viesse a acontecer. Imaginava eu que, como Juiz de Direito, já tivesse dado minha contribuição à Justiça Eleitoral de meu Estado. Era meu propósito, portanto, honrar o compromisso assumido com o Desembargador Antônio de Pádua Lima Montenegro de ficar a seu lado, na condição de Juiz-Auxiliar da Presidência do TJ-PB, até o último instante do biênio de sua Administração à frente do nosso Tribunal de Justiça. Pela vontade descomprometida da maioria de seus membros, acabei convencido do contrário, o que muito me envaidece. Aqui me apresento — e o faço na condição de legítimo representante da Magistratura paraibana — para enfrentar mais este desafio que o destino me reservou.
 
Agradeço também a meus amigos, sempre fiéis e sinceros. Compreendam que difícil seria para mim nominar a todos, sem cometer o pecado da omissão. Permitam-me que o faça, portanto, citando apenas a pessoa do Desembargador Antônio de Pádua Lima Montenegro — referência para mim não só como magistrado, mas também como pessoa humana, como homem de bem, como cidadão exemplar.  Como o filósofo e poeta norte-americano Ralph Waldo Emerson, da mesma forma posso afirmar: “Acima de tudo, na vida, temos necessidade de alguém que nos obrigue a realizar aquilo de que somos capazes. É este o papel da amizade”. Ou, como disse o jornalista, editor, escritor e pensador americano Adam Parfrey, nascido em 1957: “Dúvida não há de que nenhum indício melhor se pode ter a respeito de um homem do que a companhia que freqüenta; o que tem companheiros decentes e honestos adquire bom nome, merecidamente, porque é impossível que não mantenha alguma semelhança com eles”.
 
É com os meus familiares, biológicos e adotivos, que divido mais esta vitória. Tendo em vista a necessidade de citar um grande elenco deles, faço-lhes uma homenagem carinhosa por intermédio da pessoa de meu pai, aqui presente — Manoel Mendes Sarmento, o conhecido “Manoel do Lastro” (ou “Manoel da Peixada”). Foi ele o herói que, dentro do possível, soube enfrentar todas as adversidades da existência, com a altivez e a perseverança próprias dos sertanejos e ao lado da não menos heroína companheira (nossa mãe, Maria dos Remédios Sarmento, hoje na eternidade), a fim de prover vida digna, pautada na conduta honesta, a nada menos que 11 filhos!...
Falha imperdoável de minha parte seria não destacar também aqui minhas mulheres amadas: Niedja, a esposa, e as filhas Manuella e Nathália. Como exprimiu o grande engenheiro, teólogo, sacerdote, antropólogo, professor e escritor espanhol Juan Luís Lorda, autor, entre outras obras, de Moral, a arte de viver: “A grande escola é o amor: as exigências do amor levam a grandes heroísmos. Quando o amor é verdadeiro, o sacrifício não dói; o amor faz estimar como bem próprio aquilo que é um dever”.
 
Agradeço, ainda, aos que gentilmente me ofereceram o conforto de suas palavras: meu amigo e colega, o Juiz João Benedito, que me saudou em nome desta Corte; a Professora-Doutora Maria Luíza Pereira de Alencar, que falou em nome da OAB-PB e pessoa de quem me orgulho de ser amigo desde os tempos de convívio em nossa querida Faculdade de Direito de Sousa, minha terra natal, querida e inesquecível; o ilustre Procurador Regional Eleitoral, Dr. José Guilherme, que discursou em nome do Ministério Público Eleitoral. Compreendo que o exagero nos elogios por eles feitos reside na culpa da parcialidade que decorre de nossa descomprometida e sincera amizade.
 
Enfim, agradeço a todos que sacrificaram seus afazeres para aqui se fazerem presentes: autoridades civis e religiosas; servidores desta Casa e do Tribunal de Justiça do nosso Estado; os que, de uma forma ou de outra, manifestaram seu contentamento por mais esta conquista minha.
 
Obrigado, portanto, a todos. E que Deus proteja a todos nós, em todos os momentos!



[1] DIREITO ELEITORAL, Del Rey, 2ª edição, p. 27.


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