Mês da Mulher: desembargadoras do TJPB falam sobre desafios e conquistas na carreira
Chegar ao mais alto cargo na carreira da magistratura no âmbito da Justiça estadual paraibana requer um trajeto árduo, que envolve estudos aprofundados, renúncias, mudanças de cidade e distância da família em diversos momentos da vida. Para as mulheres, somam-se aos esforços o enfrentamento à misoginia, a acumulação com o trabalho realizado na esfera doméstica (cuja divisão ainda não é igualitária entre os gêneros), o exercício da maternidade (que paralisa periodicamente a carreira profissional), entre outros fatores impostos por um mundo que não respeita em sua completude as particularidades do universo feminino.
Transpondo inúmeros desafios, cinco mulheres construíram grandiosas carreiras, que as levaram ao topo do Judiciário estadual paraibano. As desembargadoras Maria de Fátima Moraes Bezerra Cavalcanti Maranhão, Agamenilde Dias Arruda Vieira Dantas, Túlia Gomes de Souza Neves, Lilian Frassinetti Correia Cananéa e Anna Carla Lopes Correia Lima de Freitas têm em comum um histórico de barreiras e vitórias que só elas conhecem e, hoje, suas vozes se somam aos 20 desembargadores integrantes do TJPB.
As magistradas representam, atualmente, 20% do Tribunal Pleno do Judiciário paraibano. Diante das recentes políticas afirmativas de inclusão de mulheres, este é o maior percentual feminino no cargo em mais de 100 anos de história do TJPB. Mesmo que distante da isonomia, cada avanço é reflexo de uma luta histórica e precisa ser celebrado.
Os desafios diante da jornada tripla
As magistradas são unânimes ao definir o trajeto profissional como “desafiador”. Conciliar a carreira com a maternidade e com os cuidados com o lar/família ainda é apontado como a principal dificuldade no processo de ascensão, o que evidencia que a divisão das tarefas domésticas segue desigual. Além disso, a chamada ‘jornada tripla’ não costuma ser mencionada por homens ao discorrerem sobre suas carreiras.
“Equilibrar a carreira com as demais responsabilidades que socialmente ainda recaem sobre nós, como a maternidade e a gestão da vida familiar, sem dúvida, foi um dos maiores desafios”, reforçou a desembargadora Túlia Neves, eleita pelo critério de merecimento para o preenchimento de vaga destinada exclusivamente às mulheres, em conformidade com a Resolução nº 525/2023 do CNJ.
Dificuldades desta natureza também estiveram presentes na vida da desembargadora Lilian Cananéa, também eleita pelo critério de merecimento, após 28 anos de magistratura e mais de 40 anos de serviço público.
“Assumi uma comarca no interior do Estado, com três filhos pequenos, sendo um recém-nascido, e tinha que administrar os expedientes de trabalho, casa e crianças. Isso só foi possível porque recebi apoio da família, em especial, do meu esposo. Chegar ao 2º Grau foi a coroação de toda uma carreira dedicada à judicatura”, revelou a desembargadora.
Além do preconceito de gênero, marcadores diversos (raça, classe, idade e outros) podem significar obstáculos a mais na construção da carreira de cada uma. “Nós, mulheres, nunca temos a idade certa para ocupar cargos de poder. Ou somos novas demais ou velhas demais. Sofri com a ‘pouca’ idade, apesar de ter 17 anos de atuação na advocacia privada, com um nome já consolidado na advocacia familiarista”, revelou a desembargadora Anna Carla, primeira mulher a ocupar o cargo de desembargadora pelo Quinto constitucional.
Voos cada vez mais altos
Mesmo após chegarem ao mais alto cargo, elas não se acomodam: seguem fazendo história, criando marcos e mostrando que podem voar cada vez mais alto. A desembargadora Maria de Fátima Bezerra Cavalcanti Maranhão, por exemplo, foi a primeira mulher a presidir o TJPB, chegando, na ocasião, a assumir a chefia do Governo do Estado. Atualmente, preside o Comitê de Incentivo à Participação Institucional Feminina no Poder Judiciário Estadual.
“A igualdade ainda não é uma realidade e precisamos abrir mais portas. Atuamos para que juízas e servidoras se sintam seguras para reivindicar seus direitos. É fundamental que as vozes das mulheres sejam ouvidas, repeitadas e que suas experiências sejam valorizadas. Buscamos construir um Judiciário mais equânime para homens e mulheres”, expôs a desembargadora Fátima.
Já a desembargadora Maria das Graças Morais Guedes, aposentada recentemente, foi a primeira mulher a comandar o Tribunal Regional Eleitoral da Paraíba (TRE-PB).
Outro nome que segue rompendo os invisíveis limites é a desembargadora Agamenilde Dias Arruda, atual presidente do TRE-PB e, a partir de 1º de abril, magistrada auxiliar da Corregedoria Nacional de Justiça do CNJ no biênio 2025-2026. Para ela, os avanços existem, mas ainda há a necessidade de mais isonomia.
“Integramos uma estatística que precisa ser modificada e ampliada. É nossa obrigação compartilhar esses caminhos com muitas outras mulheres que podem contribuir com a sociedade. Reclamamos nosso espaço de poder, não de forma a excluir a participação masculina, mas numa busca por uma convivência mais equilibrada e colaborativa. A cada desafio vencido, construímos mais esperança”, afirmou.
Discrepância entre os gêneros nos cargos e as políticas de paridade
O Relatório Justiça em Números/2024 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) aponta que em todos os segmentos da Justiça, quanto mais elevado o nível da carreira, menor o índice de participação feminina. Enquanto o percentual de juízas é de 39%, o de desembargadoras soma 23,9% e o de ministras, 18,8%. Os números evidenciam a necessidade de medidas que continuem impulsionando a representatividade feminina nos tribunais, o que, aliás, vem sendo abraçado fortemente pela atual gestão do TJPB.
Mesmo com a discrepância existente, a participação feminina já têm feito a diferença e são as próprias desembargadoras do TJPB que atestam. “A diversidade de perspectivas enriquece as decisões e contribui para um Judiciário mais sensível e equilibrado. A presença de mulheres no TJPB tem proporcionado um olhar mais atento a temas fundamentais, como a proteção aos direitos das mulheres, a equidade nas decisões judiciais e o fortalecimento das políticas institucionais de inclusão”, afirmou a magistrada Túlia.
A desembargadora Lilian Cananéa concorda. “Hoje, com cinco desembargadoras, temos um tribunal mais inclusivo e com decisões sob a ótica feminina, o que é muito importante, até para uma mudança social”, comentou.
Para as desembargadoras, a presença feminina nos tribunais não é apenas uma questão de representatividade, mas de justiça. E elas reconhecem o compromisso da atual gestão com a busca pela equidade nos espaços de liderança.
“Enquanto a balança estiver desequilibrada, as políticas afirmativas de inclusão de mulheres em cargos de poder devem continuar a existir. O que queremos é oportunidade, pois a capacidade e a vontade, já demonstramos que temos”, enfatizou a desembargadora Anna Carla.
Entre violências e vitórias
A fúria que dizima as mulheres no país que registrou mais de 1.400 feminicídios em um único ano (segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública/ 2024) ainda é desoladora e motiva a firmeza na luta dessas magistradas, enquanto representantes de uma instituição que tem papel essencial no enfrentamento à violência de gênero.
Os índices alarmantes evidenciam que há muito trabalho a ser feito para garantir segurança e dignidade às mulheres e a Justiça paraibana não cruza os braços. Ao contrário: busca assegurar a efetividade da Lei Maria da Penha, fortalecer serviços de proteção, acelerar o julgamento de processos relacionados à violência doméstica, estabelecer grupos reflexivos para agressores, entre medidas diversas.
Diante da realidade violenta, chegar aos altos cargos do Judiciário é uma vitória a ser celebrada, mas, também, um compromisso com uma luta que parece infinda. E, neste contexto, a atuação das desembargadoras atinge um patamar especial, pois significa não só amparar mulheres, mas, também, inspirá-las, mostrando-lhes, nas entrelinhas, que elas não estão sozinhas.
Ao lado das trajetórias autênticas que constroem, as magistradas erguem uma vitrine de referências para novas gerações, que podem sonhar com lugares ocupados, até bem pouco tempo, apenas por homens. E o efeito é poderoso, porque a representatividade é uma força capaz de abrir caminhos: para um novo mundo, talvez mais justo, mais equilibrado e, principalmente, menos brutal para mulheres.
Por Gabriela Parente