Comarca de Mamanguape faz história desde a época do Império, e magistradas revelam dedicação
O Fórum recebe o nome de um dos filhos mais ilustres que a terra já deu, Desembargador Miguel Levino de Oliveira Ramos. Localizada no Litoral Norte paraibano, a Comarca de Mamanguape está entre as mais antigas do Estado, ainda da época do Brasil Monárquico, e hoje encontra-se sob o comando de cinco magistradas, que mostram dedicação para garantir a Justiça em dia. “Quem emancipou a cidade foi o proprietário rural e político Flávio Clementino da Silva Freire, o Barão de Mamanguape, então governador da Província da Parahyba, em 25 de outubro de 1855”, conta o desembargador e escritor Marcos Cavalcanti de Albuquerque, filho da terra.
De 2ª Entrância, a Comarca possui Juizado Especial Misto e três Varas Mistas, tendo, em seu termo, atualmente, os municípios de Capim, Cuité de Mamanguape, Itapororoca e Mataraca. “Mas, houve uma época em que sua jurisdição era ampla, reunindo Jacaraú, Rio Tinto, Baía da Traição e até Areia”, relata o desembargador Marcos Cavalcanti, que, dentre suas 32 obras escritas, três são especificamente sobre Mamanguape, incluindo ‘Poder Judiciário: História da Comarca de Mamanguape’ (2011).
O topônimo Mamanguape é uma corruptela do tupi mamã-guape, que significa “onde se reúne para beber, no bebedouro”. Nome dado pelos índios potiguara ao Rio Mamanguape, que, por sua vez, denominou a cidade. “As comarcas mais antigas da Paraíba são Mamanguape, Pombal, São João do Cariri e Areia. O Tribunal de Justiça da Paraíba completa, em 15 de outubro, 130 anos. Nós dependíamos, antes, do Tribunal da Relação do Estado de Pernambuco, e, nessa época, Mamanguape já era comarca, sendo, assim, mais antiga que o TJPB”, explica o desembargador.
Segundo a diretora do Fórum, titular do Juizado Especial Misto e coordenadora do Cartório Unificado, juíza Juliana Duarte Maroja, a Comarca, por ser a maior do Vale do Mamanguape, possui considerável distribuição de processos. O atendimento aos jurisdicionados, a exemplo das demais comarcas paraibanas, é realizado, na maioria, de forma remota desde o ano passado, por causa da pandemia da Covid-19. “As partes realizam pedidos por meio remoto, mas há fisicamente no Fórum um revezamento, o que permite contato pessoal”, afirma.
“A coordenação do cartório melhorou significativamente quando da unificação, porque permitiu que todas as unidades judiciárias gozassem da mesma força de trabalho, viabilizando que permaneça presencialmente o menor número de pessoas, respeitando a individualidade de cada servidor, pois alguns apresentam comorbidades”, afirma Juliana Maroja. “Nós temos diversidades de termos. Alguns ainda com bandeira laranja (situação de Risco Médio de Alerta para Covid-19)”.
No Fórum, já está em funcionamento a Sala Virtual de Atendimento a Distância. Para o Presidente do Tribunal de Justiça da Paraíba, Desembargador Saulo Henriques de Sá e Benevides, o uso de tecnologias permitiu dar mais celeridade aos processos, atendendo ao princípio da eficiência do serviço público.
A juíza Juliana Maroja destaca que, apesar do novo coronavírus, os processos urgentes, que exigem a presença dos envolvidos, estão sendo cumpridos, e os atos praticados. A magistrada citou, como exemplo, a realização de sessões do júri. Em abril, salas foram preparadas, higienizadas, e mantido o distanciamento entre as pessoas, para o júri de réu preso. Tudo seguindo protocolo sanitário estabelecido pelo TJPB.
Um ambiente de trabalho muito agradável
“Desde que assumi a 2ª Vara de Mamanguape, em 2017, eu vejo cada vez mais melhorias na sua estrutura física do Fórum e reconheço o engajamento, esforço conjunto de todas as juízas, promotoras, defensores e servidores para uma eficiente prestação jurisdicional, mesmo diante da crescente demanda e dos desafios inerentes à pandemia”, afirma a juíza Kalina de Oliveira Lima Marques.
A magistrada concorda que, com a recente unificação dos cartórios, houve um aumento da produtividade, resolvendo uma situação que se estendia há anos com relação à falta de servidores. “Enfim, atuamos em um ambiente de trabalho muito agradável, onde todos procuram colaborar e fazer um Judiciário melhor.
Dedicação reduz taxa de congestionamento de processos
“Sinto-me muito honrada em trabalhar na Comarca de Mamanguape, especialmente, por ser uma cidade histórica e importante na colonização da Paraíba”, disse a juíza Candice Queiroga de Castro Gomes Ataíde.
A magistrada lembra que, apesar de ficar próxima à Capital (distante 53 km), “não é uma tarefa fácil desempenhar as atividades aqui, porque é uma comarca que tem uma demanda processual muito alta, sobretudo em relação à criminalidade. Ela faz fronteira com o Estado do Rio Grande do Norte e a gente vê muito tráfico de drogas, e por causa disso diversos outros crimes são desencadeados, principalmente patrimoniais”.
“Nós temos desempenhado nossas funções com muito comprometimento, muito trabalho, afinco, para, sempre, agilizar o andamento dos processos, assegurando o julgamento das demandas”, garante.
Juíza da 1ª Vara Mista, Candice Queiroga conta que assumiu a titularidade da unidade em dezembro de 2018. “Quando cheguei, fiquei um pouco estarrecida com o acúmulo de serviço, porque a unidade, embora tivesse juízes titulares, anteriormente a mim, esses magistrados ali permaneceram por pouco tempo, diante da possibilidade de remoção. Na época, a Vara passava por correição nacional, pela Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), e também estadual, pela Corregedoria-Geral da Justiça, já em fase de revisão”.
“Com as demais magistradas, com destaque para o trabalho da diretora Juliana Maroja, buscamos mais servidores para as unidades, formamos equipes, arregaçamos as mangas e conseguimos reverter o quadro”, relata a juíza.
Candice Queiroga disse que, ao chegar na 1ª Vara, havia uma taxa de congestionamento de processos de 89%. “Já em 2019, conseguimos reduzir para 76% e, em 2020, quando começou a pandemia da Covid-19, continuamos trabalhando muito e baixamos o índice para 56,11% (a meta estabelecida pelo CNJ era de 56%)”, comemora. Foi enfrentada não só a pandemia, mas, também, a digitalização dos processos cíveis e criminais para a inserção no sistema do Processo Judicial eletrônico (PJe). “A taxa de congestionamento deste ano, até o momento, está em 55,88%”.
Ela garante que todo esse trabalho, feito paulatinamente, ocorreu dentro de um espírito de equipe, um trabalho feito pelas juízas e servidores. “O resultado foi fruto de muita dedicação, um trabalho de excelência”, afirma, destacando que, por se encontrar realizando mestrado, tem recebido, desde o segundo semestre de 2020, o auxílio da juíza Brunna Melgaço Alves.
Como a Vara tem competência de júri, de crimes contra a vida, as sessões de julgamento ficaram comprometidas este ano, mas, agora em abril, voltaram a ocorrer sob a presidência da juíza Brunna Melgaço. A magistrada conta que foi designada para auxiliar a 1ª Vara Mista de Mamanguape a partir de agosto de 2020, após a desinstalação e agregação da Comarca de Pirpirituba, onde se encontrava.
“Fui muito bem recebida pelas juízas, promotoras e servidores. Desde a implantação do Cartório Unificado, tem sido uma boa experiência, porque toda a força de trabalho está reunida. Isso melhorou o fluxo do gabinete e andamento dos processos”, disse.
“Tem sido um desafio, porque é uma Vara que tem processos de crimes complexos, muitos homicídios envolvendo tráfico de drogas. Atuamos para sanear a Vara. Começamos a regularizar os processos do Tribunal do Júri que estavam pendentes”, destaca. Na última semana de abril, foram realizados três júris de réus presos. Para isso, houve a colaboração da Prefeitura de Mamanguape, que forneceu os testes de Covid-19, garantindo segurança para todos que participaram dos julgamentos.
“Na 1ª Vara, tenho conseguido manter o ritmo desenvolvido por Candice. Reduzimos a taxa de congestionamento e estamos trabalhando para alcançar todas as metas do CNJ”, conclui.
Agronegócio, polo turístico e demanda processual
A juíza Elza Bezerra da Silva Pedrosa vê a Comarca de suma importância para a região do Vale do Mamanguape, isto porque ao lado das comarcas de Rio Tinto e Jacaraú abarcam a maioria dos municípios do litoral norte do Estado da Paraíba. “Sua importância revela-se por ser a região de considerável polo turístico, em pleno desenvolvimento, além da sua potencialidade no agronegócio, com cultivo de cana-de-açúcar e fruticultura, inclusive com mercado na exportação”, afirma a juíza.
Essa riqueza vem de tempos passados, informa o desembargador Marcos Cavalcanti: “Já no Século 19, o Vale do Mamanguape era riquíssimo economicamente. O município chegou a formar uma sociedade brilhante, a ponto de os senhores de engenho mandarem formar seus filhos em Lisboa e Coimbra, Portugal, quando aqui no Brasil não havia cursos superiores, e, depois, no Recife, na velha Faculdade de Direito. Vários filhos da terra foram governadores do Estado”.
Cidade de localização estratégica, próxima do Litoral, é berço de pessoas ilustres como Carlos Dias Fernandes (escritor), Castro Pinto (governador da Paraíba), Padre Azevedo (inventor da máquina de datilografia), José Fernandes de Lima (usineiro e governador da Paraíba), Álvaro Carvalho (escritor e politico), padre Mathias Freire, Leonardo Filho (artista plástico premiado), dentre outros.
No livro ‘A História da Comarca de Mamanguape’, Marcos Cavalcanti destaca o Fórum, o trabalho dos juízes da época da Colônia até momentos próximos, o que faziam, catalogando temas de alta relevância. Ele lembra que Celso Mariz, no livro ‘Cidade e Homens’ (1945), destacou o Vale do Mamanguape chegou a possuir 140 engenhos, a ponto de atrair filiais de lojas de franceses, italianos e portugueses, vindos do Recife.
A juíza Elza Pedrosa, que é titular da 3ª Vara Mista, confirma a continuidade desse crescimento nos dias atuais. “A instalação de universidades também contribuiu muito para o desenvolvimento da região, fomentando o comércio local e o setor imobiliário”, observa ela.
O notório desenvolvimento da região refletiu, segundo a magistrada, em considerável aumento na demanda dos processos judiciais, fato que resultou no aumento das unidades judiciárias, que, em tempo consideravelmente curto, a comarca cresceu de duas para quatro unidades. “Atualmente, são três varas mistas e um juizado especial. A 3ª Vara, da qual sou titular, atua com matérias cíveis e criminais, sendo privativa com relação aos feitos de família e interdição”.
Face ao crescente número de processos de família e interdição, a Vara promove mutirões, periodicamente. Para a realização das audiências no tocante aos feitos de família, busca-se a conciliação, procurando a resolução célere dos litígios. “Os mutirões para realização de audiências para instrução das ações de interdição são realizados mediante cooperação dos municípios termos da comarca, onde os mesmos fornecem médicos e psicólogos para perícia e estudo social, respectivamente, abreviando assim o tempo do processo”. A parceria é um dos pontos fortes da unidade judiciária.
Tais mutirões, em face da pandemia, foram suspensos tendo em vista à impossibilidade de realizar atos presenciais, por precaução. “Embora enfrente a limitação dos atos presenciais por causa da Covid-19, a comarca tem avançado na produção dos atos processuais e, assim, tem conseguido avançar por ter priorizado a feitura dos mesmos no âmbito virtual, resultando em considerável esforço para reduzir a taxa de congestionamento”, garante a magistrada.
Mesmo com as limitações impostas pela pandemia, os processos de natureza urgentes continuam a ser tratados com a mesma prioridade, evitando-se a ocorrência de atraso na sua marcha processual.
Casos históricos e processos viram novela
“Hoje se desenvolveu a ponto de ter cinco magistradas. Mas, antes, havia apenas um. Eu mesmo fui juiz sozinho na década de 80. É a sétima zona eleitoral criada na Paraíba. Nela, tivemos questões muito importantes, muitas destilarias de álcool, com questões indígenas que hoje são tratadas por Rio Tinto, mas, apesar das mudanças, é considerada a Rainha do Vale”, disse o desembargador Marcos Cavalcanti.
Ao escrever sobre a Comarca, o magistrado fez o levantamento de vários processos que ganharam destaque na região do Vale. “Tem um processo em andamento envolvendo terras do irmão de João Dantas, que matou o Presidente João Pessoa, o engenheiro agrônomo Manoel Duarte Dantas, que data de 1930, e cuja sentença foi dada em 1958”, relata.
Em decorrência da Revolução de 1930, o Doutor Manoel Dantas fugiu da Paraíba e, depois, voltou para reaver as terras que se encontravam em poder da Companhia de Tecidos Rio Tinto. “Ainda hoje esse processo tramita em execução de sentença, no qual os herdeiros são parte. É uma ação de nulidade de atos jurídicos, com reintegração de posse, indenização e lucro, de quatro fazendas: João Pereira, Imbiribeira, Barro Branco e Caiana. Uma ação reivindicatória, que até hoje não foi arquivada. Nas pesquisas, descobri que João Dantas nasceu em Mamanguape e casou-se com uma moça rica do município”, afirma o desembargador, que menciona o caso em livro.
Em 2018, Marcos Cavalcanti decidiu mudar o foco de suas obras literárias. Membro da Academia Paraibana de Letras (APL), resolveu, após 32 obras, enveredar na escrita de uma novela, estimulado por um processo que tramitou na Comarca de Mamanguape.
“Encontrei um processo em Mamanguape, que ouvia falar muito, mas só agora tive a oportunidade de me debruçar sobre ele. Esse processo é de um fato absolutamente inédito, de 1995, sobre a arranca de uma botija, que gerou muita confusão e foi parar na Justiça. O caso parou na Federação Paraibana dos Cultos Africanos e foi para a Sudene para uma perícia geológica. Então, decidi fazer uma novela sobre o tema”, conclui.
Por Gilberto Lopes/Gecom-TJPB