Audiências de custódias são determinantes para redução histórica da população carcerária da PB
A superpopulação carcerária brasileira sempre foi considerada um problema histórico e preocupante para o Estado, mas que está sendo enfrentado de forma conjunta pelas instituições que formam o sistema de Justiça paraibano. O esforço conjunto já surtiu efeito positivo nas celas e pavilhões de quase todas as unidades prisionais da Paraíba e a população crescente nos presídios parece ter encontrado um antagonista de peso, que está fazendo diminuir o número de pessoas privadas de liberdade nesses ambientes de cárcere: são as audiências de custódia. Lançadas no Tribunal de Justiça da Paraíba em agosto de 2015, fez do Poder Judiciário estadual uma das Cortes pioneiras na instalação do projeto que, ao lado das iniciativas de ressocialização e do Escritório Social, formam o tripé de combate à superpopulação e seus males causados à sociedade como um todo.
A Penitenciária “Desembargador Flósculo da Nóbrega”, mais conhecida como Presídio do Roger, é um exemplo clássico da diminuição no número de pessoas que aguardam julgamento e estão, provisoriamente, recolhidas. De acordo com a Diretoria da unidade prisional, em maio de 2015 existiam 1.266 reeducandos. Atualmente, o número gira em torno de 590 homens, divididos em oito pavilhões, inclusive um deles destinado ao público LGBTQI+. A queda significa mais de 110% na diminuição da população daquela unidade e a tendência é que o número caia ainda mais, levando em consideração os efeitos futuros dos 80 projetos de ressocialização desenvolvidos no Estado e os encaminhamentos profissionais e educacionais do Escritório Social, outro equipamento em que o TJPB é pioneiro na instalação, em parceria com o Governo do Estado e Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Para boa parte dos profissionais que atuam, diretamente, com a realidade do sistema prisional, o funcionamento da audiência de custódia é um divisor de águas e trouxe uma redução considerável da população carcerária. “É uma política fundamental para o desencarceramento e o resgate ao direito de liberdade, sendo este uma regra básica do Direito brasileiro, segundo a Constituição Federal”, comentou o juiz titular da Vara de Execuções Penais (VEP), da Comarca de João Pessoa e magistrado responsável por instalar a audiência de custódia, no âmbito do TJPB, Carlos Neves Coelho da Franca.
Ele explicou que durante a audiência o preso tem contato direto com o magistrado, que, por sua vez, vai constatar a realidade do custodiado e em que termos aconteceu a prisão. Ali, o juiz pode decretar ou não a preventiva. Caso não seja decretada, existe a opção de estabelecer medidas cautelares de controle efetivo, sem a necessidade do encarceramento. “É importante que o magistrado tenha total conhecimento do inquérito e da condição social do preso, já que antes da audiência de custódia, o preso passa por uma equipe interdisciplinar, responsável por elaborar e encaminhar ao juiz um relatório com algumas sugestões”, esclareceu o titular da VEP-João Pessoa.
O Projeto Audiência de Custódia foi lançado pelo CNJ em fevereiro de 2015, com base nas previsões realizadas pelo Pacto de São José da Costa Rica. Basicamente, a audiência de custódia é um ato do Direito Processual Penal em que o acusado por um crime, preso em flagrante, tem direito a ser ouvido por um juiz, para que sejam avaliadas eventuais ilegalidades em sua prisão. Também fazem parte da audiência o promotor de Justiça, defensor público e advogado.
As VEPs também têm um papel fundamental no processo de ressocialização e no combate direto à superpopulação carcerária, uma vez que possui a missão de fiscalizar o cumprimento da pena e assegurar aos reeducandos e reeducandas os meios necessários para seu retorno ao convívio social. Carlos Neves considera que a metodologia de ressocialização é de extrema importância e já é um fator decisivo na queda do número de pessoas que cumprem pena.
“Se você tem que qualificar a porta de entrada com a audiência de custódia, é necessário que seja melhorada a porta de saída dos egressos, levando modalidades sociais de transformação, por meio do trabalho, do estudo e outras políticas públicas oferecidas pelo Estado, em parcerias com instituições, a exemplo do Conselho da Comunidade, órgão da Execução Penal. Somando a isso, temos a não menos importante criação do Escritório Social”, avaliou.
O secretário estadual de Administração Penitenciária, João Alves de Albuquerque, também aponta a audiência de custódia como a principal causa da redução da população carcerária no Presídio do Roger, uma vez que aquela unidade prisional recebe presos provisórios e, em muitas situações, a prisão em flagrante é substituída por medidas cautelares diversas da prisão, a exemplo da tornozeleira eletrônica.
“A população carcerária em outras unidades estaduais também está caindo, contudo de maneira mais tímida, levando em conta que a maior concentração de apenados está na Comarca de João Pessoa. Entretanto, as audiências de custódia já são uma realidade em todas as comarcas e pode levar uma diminuição ainda maior”, comentou o secretário. Os últimos números da Secretária de Administração Penitenciária revelam que a Paraíba possui 12.133 apenados distribuídos nos diversos regimes, em 22 penitenciárias e 45 cadeias públicas e um centro de monitoração eletrônica.
Conforme as estatísticas do Painel Dinâmico da Secretaria Estadual de Administração Penitenciária, dos atuais 12.133 apenados da Paraíba, 5.791 estão no regime fechado sentenciado; 2.539 no fechado provisório; 1.814 no semiaberto; 1.023 no aberto, além dos 966 monitorados eletronicamente. Os números foram atualizados até o fechamento desta matéria.
João Alves de Albuquerque disse, também, que a Secretaria de Administração Penitenciária possui uma relação estreita com as Varas de Execuções do Poder Judiciário estadual “em especial a de João Pessoa, a qual abarca o maior número de processos”.
Na avaliação do diretor do Presídio do Roger, Edilson Alves de Souza, respeitar a lotação da unidade é assegurar o direito fundamental à vida digna e meio ambiente equilibrado. “Nossos objetivos são possibilitar o alcance de metas assistenciais, como criar condições para uma relação mais adequada entre o preso e os servidores, realizar de obras e manutenção e gerar ambiente saudável para se restaurar os laços sociais e familiares”, pontuou.
Edilson Alves informou que entre os anos de 2015 a 2017 houve aumento na população prisional, seguindo a tendência dos anos anteriores. A partir de 2018, observa-se um decréscimo lento e gradual da lotação da unidade, que se estende até o final de 2019. “Com a chegada da pandemia de Covid-19, intensificou-se a utilização das audiências criminais por videoconferência, tornando mais ágil o controle da lotação”, avaliou.
Projetos de Ressocialização – A Paraíba também evoluiu dentro da política de reintegração social de pessoas privadas de liberdade. Essa é uma avaliação, praticamente, unânime entre os especialistas que trabalham nesse segmento. Centenas de homens e mulheres privados de liberdade estão conseguindo remir suas penas através dos diversos projetos de ressocialização em pleno funcionamento no Estado. Além da remissão, essas pessoas têm a oportunidade de desenvolver uma atividade profissional e/ou educacional, enquanto estão cumprindo suas penas. A ideia central dessas iniciativas é devolver à sociedade pessoas que possam conviver em grupo e que tenham a capacidade de produzir, sem voltar a praticar crimes.
As estatísticas revelam que ano a ano cresce o número de reeducandos matriculados no Sistema de Seleção Unificada (Sisu) e a Secretaria da Administração Penitenciária (Seap) informou que 224 apenados foram aprovados no Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade (Enem PPL 2021), isso equivale a um crescimento de 86,67% em relação à edição anterior, quando foram aprovados 120. Entre os projetos desenvolvidos em parceria com o TJPB, Secretaria de Administração Penitenciária, Conselho da Comunidade e diretorias de presídios, estão a fábrica
“Castelo de Bonecas”, produção de sandálias, cultivo de hortas, fábrica de gessos, música, dança, leitura e resenha de livros, entre outros que contribuem com a conscientização dos reeducandos.
Para o presidente do Conselho da Comunidade de João Pessoa, Thiago Robson, a Execução Penal é desafiadora por si só, e uma política isolada de mero encarceramento conduz o sistema prisional ao fracasso. “Projetos de reinserção social são vitais para a transformação da realidade atual e o Conselho da Comunidade é uma Instituição que tem o privilégio de contribuir na elaboração e instalação de diversos projetos existentes nas unidades prisionais localizadas na Capital”, disse.
A título de exemplo, ele citou dois projetos desenvolvidos pelo Conselho da Comunidade: a Fábrica de Fraldas, um equipamento capaz de confeccionar fraldas infantis, absorventes geriátricos e fraldas geriátricas; e o Calçados Para a Liberdade, que produz até 2400 pares de sandálias por dia. “O Conselho fomenta outros projetos nas áreas de assistência jurídica, estímulo à cultura, suporte aos familiares e diversas outras áreas tão importantes para o sucesso da tão sonhada ressocialização”, informou.
Escritório Social - Criado pela Lei Estadual Nº 11.570/2019, o Escritório Social foi inaugurado em João Pessoa em agosto de 2020 e atende pessoas egressas do sistema prisional e seus familiares. No local, são disponibilizados atendimentos e serviços em diversas áreas, como: saúde, qualificação, encaminhamento profissional, atendimento psicossocial, assistência jurídica e regularização de documentação civil. O Escritório Social é administrado pelas Secretarias de Estado de Administração Penitenciária e de Desenvolvimento Humano e passa por um processo de alinhamento de ações de alcance nacional.
O supervisor do Grupo de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e Socioeducativo (GMF) do TJPB, Desembargador Joás de Brito Pereira Filho, disse que “o equipamento social é voltado às pessoas que estão nos regimes semiaberto, aberto e livramento condicional, bem como àquelas que já tiveram suas penas extintas. Nesse contexto, elas são encaminhadas para retirada de documentação civil, reinserção no mercado de trabalho formal e diversos serviços da Rede Socioassistencial, Saúde, Educação, Assistência Social, dentre outros”. Atualmente, 29 Escritórios Sociais estão em funcionamento em 19 estados brasileiros.
Para a coordenadora estadual do Programa Fazendo Justiça, Thabada Louise, “a disseminação e qualificação dos Escritórios Sociais se consolidam como estratégia central no âmbito do Poder Judiciário nacional para o fomento a uma política de atenção às pessoas egressas do sistema prisional, conforme estabelecido na Resolução CNJ nº 307/2019”. No Estado, ela coordena as 28 ações, que são divididas por cinco eixos do Programa: Proporcionalidade Penal; Socioeducativo; Cidadania; Sistema e Identificação Civil; Gestão Transversal.
Por Fernando Patriota